segunda-feira, 26 de maio de 2008

IN DARWIN WE TRUST


Respondendo ao último texto e me provocando, um amigo me escreveu o seguinte: "Zeus já era. O negócio agora é aceitar Darwin no coração."
Fiquei rindo sozinha. Mas, como costumo levar a brincadeira muito à sério, resolvi fazer um esforço, tomar um memoriol, e lembrar o que mesmo que Darwin dizia.
Acho, sinceramente, que uma das coisas mais difíceis de se fazer é aceitar Darwin no coração.
É que a tal da seleção natural implica em primeiríssima instância num exercício de desapego fora do normal. Aliás, fora do humano.
É tão difícil ver que o caminho traçado não era dos bons. Ou que até era, mas só naquele instante. Naquela ocasião. Naquela circunstância específica.
É tão difícil ver que amizades de infância duram somente a infância - claro que com raras exceções, dá prá crescer com um ou outro ente, se esse crescer também, é claro.
E amor prá vida toda então... Esses são os piores.
Tem hora que a seleção natural já não seleciona mais nada. Não há mais afinidade. Não há admiração. Não há nem relação. Mas a gente teima em manter como se fosse a única chance de ser feliz. Afinal, em time que tá ganhando... blá, blá, blá.
Só que às vezes o time ganha por incompetência do concorrente mesmo, ou por sorte, ou pela conjunção favorável dos astros, por ebó, por... Daí a achar que ele é o melhor dos dez mais, que só assim pode ser, que não há outro meio, acaba correndo o risco de ficar demasiadamente limitado. E o que seria escolha - seleção - acaba se apresentando como sina.
"Eu só sei fazer assim."
Tá formada a maldição da vida.
E o sujeito fica horas ali riscando o mesmo fósforo queimado. Afinal, ele já acendeu uma vez e foi tão lindo...

terça-feira, 6 de maio de 2008

TODO MUNDO É FILHO DE ZEUS.


Não, não.
Não estou bêbada trocando pernas e letras, afirmando que tá zuzo bem e tropeçando no próprio pé.
Mas é que lendo o jornal começo a ficar até mesmo religiosa. E como as religiões sempre pecam na prática, fico com os mitos, que já são impraticáveis por natureza.
Zeus, pai dos homens e dos deuses, símbolo da civilização helênica, conseguiu sobreviver a seu pai Cronos-devorador-de-criancinhas, graças a uma esperteza de sua velha mãe Réia, que escondeu o rebento e enganou o pai temeroso de que sua prole lhe roubasse o trono - por isso devorava todos os filhos.
Mas Zeus pode tudo. Zeus é forte. Só Zeus salva e o escambau à quatro. E ele não só sobreviveu como povoou o mundo de deuses e semi-deuses assumindo tudo o que é forma física - ou não - quando se interessava por uma gazela.
E cada filho seu era amado e respeitado como tal. Orgulho de painho, xodó de mainha (embora a madrasta já imperasse como a bruxa má do oeste, zeus sempre defendia suas crias do ciúme desta).
E era isso a que chamavam de civilização. A certeza de poder contar com uns cuidadosinhos desde pequenos, para depois virem a ser o que fossem.
Só que ultimamente parece que a dívida primordial - a do papai e da mamãe terem nos dado a vida - parece cada vez mais impagável. Pois além de dar a vida, a gente tem que agradecer todo dia nunca ter sido jogado pela janela, nunca ter sido incinerado, nunca ter apanhado até a morte prá parar de chorar - ô lógica bizarra - e nunca, nunquinha, ter sido preso em cativeiro por décadas.
Se bobear, a gente ainda tem que agradecer às neuroses e impotências, às culpas judaico-cristãs, às proteções de tudo o que se mexa e que respire e que se chame vida.

É muita falta de Zeus no coração, né não?!? Já que Zeus não protegia da vida. Mas da morte. Do fim. DA falta de escolha absoluta.

E por falar em pai - mãe só semana que vem - hoje é aniversário do Freud, outro que não largou seus filhos por aí escondidos na lixeira. Ao contrário, ele pegava os trapos humanos que lhe eram encaminhados e tratava de devolver-lhes a vida, com toda a idiossincrasia de cada um, já que cada inconsciente é único, mutante, inapreensível.

Que Zeus te acompanhe!
Quanto ao Freud, você tem que fazer contato comigo mesma. Eu dou o recado.