terça-feira, 28 de agosto de 2012

TIRE SUAS MÃOS DE MIM


Sim. Eu ouvia Legião Urbana.
Até porque crescer em Brasília nos anos 80 tinha como requisito ouvir Legião Urbana. E não só no show ou na rádio, mas em toda e qualquer rodinha insuportável onde houvesse um mísero violão tocando aqueles acordes infernais.
Talvez por isso eu teime em citar errado, pois eu deveria beber na fonte de onde tudo foi chupado, já que é assim que se cita.
Mas dessa música gosto particularmente do que ele afirma como incerteza, como não saber, como arrebatamento que mais se parece a um atropelamento que deixa a vítima estirada no chão tal qual música do João Bosco.
Tá lá o corpo estendido no chão jurando que dessa vez é de verdade. Jurando que agora achou seu par de vaso por simples questão de cansaço, de não saber muito bem descrever se foi tsunami ou caminhão.É que as vezes as cosias acontecem assim. Sem quê nem porquê. Sem tempo de refletir ou de se distanciar do que realmente acontece. Daí a confusão diante de uma presença insistente e invasora, que preenche todos os espaços vazios - que assim deveriam ficar, já que os vazios precisam existir para que haja o silêncio, o sonho, o devaneio, a fantasia, o desejo, ... . Daí misturar urubu, meu louro e passarinho azul, tudo num saco de gatos, arrebatando o sujeito e tomando-o como objeto. Presa de guerra de aldeia saqueada.
O colonizador chega e instaura suas leis: Não dance mais assim, pois é vulgar. Não gosto de seus amigos. Não precisa ler esses livros todos. Pra que sair de casa? Quer achar o que na rua? Até que vem a pergunta devastadora: No que você está pensando?
Agora me responda, se você souber: como dizer o que se está pensando no exato momento em que se pensa?
Se há um jeito de bloquear pensamento, pra mim, é este: Interrompendo-o como num estupro de crianças, onde se exige uma maturidade e preparação que o corpo simplesmente não pode acompanhar, não pode suprir ou responder como capaz.
E tudo isso, para os apressados,vem como a alcunha enganadora do lema de guerra mais antigo que já existiu. Em nome do amor já se cometeu tanto massacre... Com ou sem sangue derramado.
Acalmem-se. Não sou contra o amor. Pelo amor de Deus, não.
Ao contrário, sou muito afeita a este. Mas será que tudo merece o mesmo nome?
A personagem principal do livro "O perfume', espantado com o mesmo nome das coisas, se questionava por que chamar tudo de leite quando o leite tirado do gado que come determinado capim é completamente diferente do leite da ovelha que pasta por certos caminhos que as outras não pastam.
Por que dar o mesmo nome a tudo?
Por que arrebatamento se liga tão facilmente a palavra amor e não a catástrofe ou a acidente?
Por que chamar de amor uma invasão de corpos em que o tempo de cada um é tão diferente que não há um ritmo ótimo das respirações? E um acaba sempre por ditar o comportamento do outro, numa batalha necrológica pra ver quem sobrevive a quem?
Por que?
Talvez, em qualquer esquina de Brasília se saiba disso, afinal, todo mundo por lá sabe cantar:
"acho que isso não é amor!"
Difícil por lá é só achar a tal esquina. Mas nada é perfeito mesmo não é?!?