segunda-feira, 9 de setembro de 2013

NA TV


Detesto televisão por um motivo muito simples: Detesto ser roubada!
Em outros tempos eu me atreveria a dizer que ninguém gosta de ser roubado. Mas estaria equivocada... 
Seria como dizer que ninguém gosta de se matar, de não pensar, que o ser humano busca sempre a evolução e evita ser escravizado. No entanto, se fosse mesmo assim, não haveria drogas, lícitas ou ilícitas, espalhadas pelo planeta com esse sucesso absoluto de público e crítica.
Ficar zapeando com o controle, fazendo de conta que tenho O controle, para MATAR o tempo e não pensar em nada, pra mim, nem é mais roubo. É auto-latrocínio. Rouba a alma, pois rouba a vontade, o desejo, o movimento. Faz-nos esquecer nossa função de encarnados, deixando que escolham o que queremos ver. E ainda abusam em dizer que dão opções, ao invés de assumirem: nós limitamos suas escolhas. E no final você ainda diz que usou o livre-arbítrio para escolher.
Desligue a tv e pense: Quantas vezes você foi diagnosticado essa semana com uma doença incurável que deve ser tratada para todo o sempre? E por que será que a indicação de tratamento vem sempre como uma opção de controle da doença, e não de cura? De transformação? De evolução? Aquela que supostamente todo ser humano é capaz, mas se perde em frente à tv ou em frente a qualquer vício?
Você quer o controle da tv? 
Ou você quer uma vida que valha?
Espera o grito do programa de auditório anunciar que agora está "valendoooooooo"???
Pôxa vida. Que desperdício! Que roubo! Que crime mais hediondo esse suicídio cotidiano!!!


segunda-feira, 22 de julho de 2013

TOMA ESSE CORPO QUE TE PERTENCE



Ah, esse corpo fardo! Farto de esperar quem o domine e o leve pra cama. 
Nem que seja a gripe...
Ah, esse corpo que dói e se ressente de não ser ele o dono de seu próprio corpo. Fascinado pelos fortes que se apropriam de tudo como fossem cobradores de impostos: 
"Você me deve! "
É tudo o que ouvem. 
É tudo o que dizem, enumerando os queixumes e agravos sofridos com resignação e esperanças alucinadas na vida após a morte: "Há de haver justiça e choro e ranger de dentes". Do outro, claro. 
Nós, os bons, os fracos e puros de coração, jamais sofreremos nessa projeção de futuro ensandecida que pune sempre quem se apropria de seu próprio corpo e mata de inveja quem abnega dele.
Ah, esse corpo que pulsa e muda o ritmo a cada vez que vê o pôr do sol ou que um carro avança o sinal nos forçando a ficarmos mais espertos. Repetindo um 'quase morri' pra garantir ao menos uma cicatriz da vida. Uma marca que seja.
Quase. Quase vivo nesse corpo. Quase respondo bem à medicação que me torna mero efeito colateral.
Ah, esse quase corpo. Quase sente que pode. Mas acaba resignado com medo do pastor exorcista perceber que há Vida além da vida.
Que há desejo e vontade chamados de demônios e um corpo que sofre, apanha, mas que também bate e estremece inteiro.
Ah, o que pode um corpo que não se contém???
Transbordar para o além. Para o antes e o depois. Sentindo que o que sente não se descreve. Não se desenha. Simplesmente não cabe em si. E assim vaza ao mundo quando a tv é desligada.
Todo cuidado é pouco pra um corpo que se afirma num descuido.
Toda gota d´água é um perigo de derrame, de luxúria, de apedrejamento.
Todo movimento ameaça ao inferno aqueles que deixam pra depois da morte o momento exato de se dizerem: Sim, eu sinto! Eu quero!

sábado, 22 de junho de 2013

?????


Outro dia li que a humanidade tem muitas perguntas e poucas respostas.
Discordo. E discordo completamente.

Não falta resposta alguma. Aliás, todas se parecem um bocado. É só questão de tradução.
Leia-se a interpretação da física quântica quanto a repulsão e a atração atômica e terás um corpo fechado ou uma predisposição genética para doenças.
As perguntas são as mesmas:

De onde viemos?

Para onde vamos? (E o que há por lá)

O que faremos nesse intervalo? 

e... a mais cruel de todas:
Isso faz algum sentido?

Mas os críticos e analistas da situação, acadêmicos e intelectuais, estão preocupados com uma pergunta que, para eles, parece fazer sentido total e absoluto:

"QUEM É O LÍDER???"


quarta-feira, 12 de junho de 2013

GAMBIARRA BLUES - UM AMOR LOUCO DE PEDRA


- Vai quebrar o menino assim, cuidado com o bracinho!
- E essa corrente de ar? Não dá pneumonia?
- Mas tá um calor dos infernos. Tira esse casaco. Deixa o sol entrar!
- O leite tá muito forte pra um recém-nascido.
- Forte? só leite não dá "sustança". Dá logo vitamina...

E assim chegamos ao mundo doidos pra aprender o que é o amor. Doidos pelas primeiras lições por mera questão de sobrevivência.
Doidos. 
Amor daquele que não acaba nunca. Daquele aprendido na sessão da tarde. Incondicional  - e cheio de vontades - desde que se faça tudo direitinho. Milagre, cura, arrebatamento. Daquele que todo mundo sabe que existe, mas tal qual face de Deus, ninguém sabe descrever que diabos é isto.

Bicho ruim é bicho-gente que não morre fácil. Afinal, com tanta barbeiragem na maternagem, era pra gente ser só os olhos revirando. Mas teimosos como só da raça humana mesmo, crescemos e vigamos.

Relação é igualzinho. 
Todo mundo sabe dar pitaco. Dizer que isso sim e isso não e aquilo de jeito nenhum. Como usar para melhor manutenção. Dosagem, posologia e informações medicamentosas. Mas na hora de ver como funciona, para além da teoria, a prática é muito outra. O que é delírio pra uns é suplício pra outros. E nunca, nada, ninguém sabe exatamente como operar com garantias.
Garanto!

E é solda aqui, parafuso ali, cuspe, suor e música bagunçando a sala e escondendo as fitas isolantes. Nós de lençol e de cabelo embutidos no conduíte. Sem falar em banho de sal grosso, promessa, dia propício para o jantar, pro baralho ou pro cinema americano.

Eita, que troço mais complicado esse aparelhinho de se relacionar!
Que só funciona no tranco. No treino. Na incerteza...
Eita, que às vezes dá vontade de desistir de tudo e trancar no quarto. "Quebrou. Tem mais conserto não."
Mas basta um suspiro à toa pra dar vontade de se enterrar na garagem e desmontar o trambolho todo até ver onde é que emperra.

E quem é teimoso de verdade insiste em tentar aprender o que ninguém sabe. Insiste em tentar o que ninguém descobre como. Teima em fazer de um jeito novo, autêntico. Sem manual, sem conselhos, sem modelos caricatos de outras modas imitadas (Mas livrai-nos dos pais, amém).

Ou desiste. Compra uma de plástico. Enfeita a cozinha.
Quem sabe funciona...
Quem sabe???

terça-feira, 21 de maio de 2013

LOCALIZACIONISMO


Há muito tempo atrás, quando a ciência era exata e precisa, descobertas incríveis foram feitas mapeando não só o cérebro como os campos em que os distúrbios psíquicos podiam ocorrer.
Quem já viu "Estranho no Ninho" sabe do que falo. Viu. E concluiu que a ciência de nada sabe. A não ser arrancar sisos, amídalas, vesícula, lobo frontal ou o que quer que seja.
Há muito mais tempo ainda, tentaram localizar a alma no corpo. E era um tal de coração versus mente prá cá, glândula pineal versus amigdala cerebral pra lá, que ninguém acertou até hoje.
Há pouco tempo, localizaram o prazer imediato da mulher. Esqueceram-se de que a mulher é mistério - disso já se sabe desde a maçã roubada - e que não é um ponto só, só unzinho, onde a mulher tem prazer, mas no que ela mostra ou no que nem conta pra ninguém.
Deixemos agora o passado para trás. Todas as previsões dessa grande cartomante charlatã que é a ciência estavam erradas.
Hoje há métodos muito mais modernos, muito mais eficazes. Mas a pergunta que fica é: Para quê? 
Claro que tem horas que queremos um mapa astral, um mapa da retina, um mapa genético, um mapa até do quadro de luz do prédio. E depois? Faz-se o que com o tesouro da Emília, a boneca de pano que guardava poeira, cílio, botão?
O importante aqui - pra quem tem mais a investir na saúde do que na doença - é: Aonde você localiza sua dor?
Onde guarda a identificação com sua mãe junto com toda a ambivalência inerente a esta? Tanto amor e tanto ódio juntos - em geral por não conseguir amar como queria - TEM que estar em algum lugar.
E o pai que nunca foi presente no momento em que se queria? O desaparecido, desconhecido ou simplesmente negligente? Onde estará?
Sem falar no amigo que falha, na traição do ser amado, no cachorro morto pelo vizinho...

Antigamente se tentava saber o local exato da alma. Mas alma hoje se salva com uns trocados. Quem se importa?
E o rancor? Onde fica? 
E a mágoa? 
Ou, em termos biológicos e científicos: Onde está sua ameaça de câncer?
Conheço gente que localiza tudo no celular. Quando briga com alguém espatifa o bicho na parede, joga no lago, e pronto. Zás. Ploft. Sock. Sonoplastia da série do Batman e tá dito tudo. Acabou-se o contato.
Mas quando a mágoa fica dentro... Ai, ai, ai.
Só falando com quem sabe escutar.
Falando e falando, até elaborar tudo. Até dissolver o ódio. Até aceitar o amor - Cheio de defeitos, mas amor.
Antes disso é corrosão. 
É tentativa de homicídio praticando suicídio. 
E está cientificamente provado que assim não funciona.



Agora me diga: Pra que essa boca tão grande?
 Fala!

terça-feira, 5 de março de 2013

SILÊNCIO É MÚSICA


"Eu simplesmente detesto quando mudam o tom do meu silêncio!"
Ele pensava, calado, mudando de assunto.
Afinal, desde muito antes de nascer acostumara-se a escutar seu próprio ritmo, antes compassado apenas com o tambor forte da mãe que o carregava.
Agia assim, visceralmente. Pensava com o sangue, com as artérias, com os órgãos. Sentia a vida e ainda tinha tempo de contemplar o barulho do sol quando nasce.
"Neurônios são para os fracos!"
Mas nesse free jazz todo cotidiano, de serra na janela do vizinho, de ônibus freando, de camelô gritando e gente falando muito sobre coisa nenhuma ele se perguntava onde se encaixar.
Sentia-se solo fora de hora, atrapalhando, tentando organizar a harmonia que se atropelava depois que o maestro criou tudo e se aposentou.
Esse jeito de viver dava trabalho. Mas era enfim, o único que sabia mais ou menos. Porque ninguém sabe viver completamente. 
Era nas nuances que ouvia os discursos. Era no ritmo da fala e da respiração que entendia o que realmente era pra ser entendido. Sem aquela encheção de linguiça de quem não tem o que dizer.
Algo assim feito cachorro que reconhece o afeto de longe. E tem ser mais sabido que os cachorros?
Ele sabia que um silêncio que contempla não é um silêncio cansado.
Que um silêncio pleno não é um silêncio cheio, ou de saco cheio. 
Há que se ouvir os suspiros, a respiração. Sob pena de interpretar uma pausa como depressão. Um momento solitário como agressão. Ou qualquer outra coisa que não esteja dita, mas esteja ali, pulsante.
O silêncio grita, pra quem não quiser ouvir. Fere. Sofre. E cria.
Noutra vez não diz mais nada. 
Acompanhar, sem quebrar o tom, aí já é coisa pra artista.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

INDUMENTÁRIA


Ela queria uma dessas paixões. Dessas que só se tem aos 15 anos.
Dessas que quando chega ao fim, a certeza de que perdeu a última chance de ser feliz é a única que resta, mal sabendo que depois desta, puro treino, o jogo começará de verdade.
E todos os especialistas no assunto darão conselhos sábios, esquecendo-se de olhar para o próprio umbigo, e perceber que conselho sábio, no amor, é a coisa mais imprestável que se pode dar. Absolutamente supérfluo, posto que a sabedoria é coisa de quem não sente. Ou de quem morre de inveja e de pavor.
Ela queria e encontrou. Avisou antes:
"Olha, já estou fora de linha, não tenho tanta peça pra reposição assim. Funciono meio na gambiarra, meio na fita isolante.
Protejo o mindinho do pé só de ver uma mesinha de centro. Por favor, não se mova bruscamente."
A nudez e entrega escondiam, no entanto, tanta ferida aberta, tanta mágoa de outras vidas, tantos romances mortos precocemente - e a morte sempre é precoce - que por baixo daquela nudez havia uma veste toda especial fabricada para o que chamava de amor.
Mas o amor precisa de legenda explicativa pra ser diferenciado de orgulho, posse, vaidade... Ou qualquer outra coisa do gênero que se queira nomear de amor, só pra ter história pra contar.
Afinal, se amar fosse fácil, não precisaria ser mandamento bíblico.
Ele, bravo guerreiro, Herói de outro planeta, já que o amor não é pra qualquer um, estendeu a mão e disse:
"Não se preocupe, linda dama. Lutarei por isto". E se preparou para o encontro, contrariando especialistas no assunto e expectativas pessimistas. Ora bolas. Amor numa hora dessas?
Vestiu sua melhor armadura e jurou que dessa vez era pra valer.
Lutou, lutou e lutou. Lutou com tanta gente, e por tanta coisa, que ao chegar em casa e reparar direitinho, a moça estava lá, sangrando.
Nem reparou que as feridas acumuladas teimavam em abrir na hora errada.
Que o passado putrefato de outros heróis era mexido e remexido até ganharem vida novamente.
Que a proteção contra arranhão estava tão forte que a blindagem não deixava que as peles roçassem mais.
E daí se morreu de novo. Como aos 15 anos.
Os especialistas estão lendo a respeito e inventando um milhão de teses sobre. Preparam-se para quando o amor chegar.


E SE...


Se eu matar o tempo,
quem é que morre?
E se eu embromar, burlar, roubar o tempo enfim?
Estarei roubando de quem?