
Ele roubava o último fio de vida que um ser humano podia ter, assassinando e trucidando qualquer vontade, qualquer desejo, qualquer talento que o sujeito tivesse antes da tortura.
Mundando o cenário aqui e saindo da ficção, de acordo com o Dom não sei o quê de Recife e Olinda - tenho resistência a guardar nomes de quem não admiro - o estupro não é um crime tão grave. É só rever 'Má educação" e temos a posição da igreja quanto a isso facilmente revelada ali.
Aparentemente uma cena não tem nada da outra, até por ser a primeira tirada da ficção e a segunda da estatística mais cruel que se possa obter.
Só que eu não consigo diferenciar o perverso que estupra uma criança do torturador que aniquila as almas, fabricando zumbis que pastam pelo globo.
Parece que eles não têm a menor idéia do que fazem ou pregam, ao banalizar o uso à força do corpo alheio para o bel prazer, sem consentimento, sem maturação, sem nada mais.
Que a igreja tenha um olhar um tanto extraviado do que seja o corpo, tido como um fardo que deve sofrer, não é novidade prá ninguém.
Mas de onde vem a idéia de transformar vítimas em culpados? De onde vem a idéia de medir a dor do outro e de reduzi-la como se assim ela deixasse de existir, como se perdesse a importância.
Quando uma criança é estuprada, ela simplesmente perde o que há de melhor em sua vida. Ela morre um pouco. E esse pouco é tão grande que mata todo o resto.
Como é que uma criança nessas condições pode ainda acreditar em qualquer coisa? Como pode acreditar em histórias de crianças, conto de fadas, príncipe encantado? Como é que ela pode acreditar que o amor vence tudo?
E como - por favor, alguém me explique - ela pode definir o que seja ela? O que é seu corpo, onde ele começa? Onde termina?
Parece que a igreja não alcança a dimensão do que esse ato de invasão pode causar na vida de uma pessoa. Parece que ela não percebeu o homicídio em vida quando alguém submete outro ser, menor e mais fraco, a um desejo desmedido de destruição que vai muito além do sexual, pois o que se rouba não é a pureza, ou o hímen.
O que se rouba, nesses casos, é a alma.