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segunda-feira, 5 de abril de 2010

...É QUEM FALA.

Antigamente, quando eu ainda assistia novelas e pensava estar com a velhice tranquila, dada a minha vocação para falar com a televisão, eu me pegava morrendo de rir de algumas falas e diálogos desenvolvidos naquelas tramas.
Isto se dava quando ouvia sentenças mais ou menos com a mesma estrutura, que sempre traziam um dedinho apontado para o outro imbuídos do grau máximo da revelação.
Eram coisas do tipo:
"- Antônio Carlos, você é grande egoísta!"
Tá aí uma frase que me faz rir da condição humana.
É que o desenvolvimento dela cai sempre em contradição absurda.
Vejamos como a Glória Aparecida terminaria com isso:
"- Você é um ser que só pensa em você, no seu próprio bem."
...E o desfecho:
"- Você não pensa em mim!"
Pronto. Me escangalho de rir disso.
Tá certo, meu humor não é coisa fácil de se entender. Mas olha o que Glorinha acaba de falar:
"- Você é um egoísta porque não pensa em mim."
Não é brilhante?
Quem é o egoísta nessa história toda é que não ficou claro.
Se o Tonico, que só pensa nele mesmo, ou a Glória, que além de pensar nela, ainda quer que todo mundo pense também.
Acho que por isso cansei de novela.
Por isso perdeu a graça.
Frases como estas são tão banais e corriqueiras que a gente nem percebe quando vê coisa parecida nos jornais.
Por exemplo, quando a Igreja Católica se diz vítima de fofocas e extorsões ao se deparar com a quebra do segredinho do estupro.
Ora bolas, tem horas em que é preciso delimitar muito bem quem é a vítima e quem é réu na história.
Quem é egoísta, quem é canibal, quem abusa, quem força e quem seduz...
Homens civilizados que somos, temos a certeza de que estes enumerados são sempre os outros. Aqueles pagãos, selvagens, que ninguém quer ou protege...
Culpar a vítima de novo?
Mas as igrejas já fazem isso há tanto tempo, que nesse século chega até a perder a graça essa brincadeira.
E agora começa uma outra equação complicadinha de se fazer:
A culpa, se não é da vítima assassinada, estuprada e espancada, é de quem?
Como na novela, o macaco senta no rabo prá falar dos outros.
E como na novela também, quem bate, só age de acordo com a contingência.
O Bandido da Luz Vermelha, famoso psicopata do Rio, alegou uma vez que jamais matou ninguém, pois só quem tem o dom de dar ou tirar a vida de uma pessoa é Deus.
Ele só atirou, esfaqueou, esquartejou,... Mas quem matou foi Deus.
Assim, o mesmo não tinha culpa de nenhuma consequência que causou.
Nem questiono nada aqui de Deus ou do Diabo, pois sei que eles são maiores que eu, e fui ensinada a não fazer covardia ou burrice.
Brigar? Só com alguém do meu tamanho.
Mas acusar a vítima de egoísta por defender sua pele do lobo faminto?
Desacreditar a vítima chamando-a de louca, mal caráter ou traidora?
Isto seria reedição do abuso, vivido de novo, e de novo, e de novo...
Aí, nosso desejo é de que apareça assim, do nada, sem querer, um daqueles
fãs do Tarantino, só prá fazer uma 'Justiçazinha'
...

Ilustração de Marhcuz

sábado, 7 de março de 2009

MORTE EM VIDA

Num dos trechos mais marcantes do filme "A vida dos outros", um torturador se diverte narrando minuciosamente como ele mata suas vítimas em vida, analisando, de acordo com perfil delas, a melhor maneira de lhes infligir a dor.
Ele roubava o último fio de vida que um ser humano podia ter, assassinando e trucidando qualquer vontade, qualquer desejo, qualquer talento que o sujeito tivesse antes da tortura.
Mundando o cenário aqui e saindo da ficção, de acordo com o Dom não sei o quê de Recife e Olinda - tenho resistência a guardar nomes de quem não admiro - o estupro não é um crime tão grave. É só rever 'Má educação" e temos a posição da igreja quanto a isso facilmente revelada ali.
Aparentemente uma cena não tem nada da outra, até por ser a primeira tirada da ficção e a segunda da estatística mais cruel que se possa obter.
Só que eu não consigo diferenciar o perverso que estupra uma criança do torturador que aniquila as almas, fabricando zumbis que pastam pelo globo.
Parece que eles não têm a menor idéia do que fazem ou pregam, ao banalizar o uso à força do corpo alheio para o bel prazer, sem consentimento, sem maturação, sem nada mais.
Que a igreja tenha um olhar um tanto extraviado do que seja o corpo, tido como um fardo que deve sofrer, não é novidade prá ninguém.
Mas de onde vem a idéia de transformar vítimas em culpados? De onde vem a idéia de medir a dor do outro e de reduzi-la como se assim ela deixasse de existir, como se perdesse a importância.
Quando uma criança é estuprada, ela simplesmente perde o que há de melhor em sua vida. Ela morre um pouco. E esse pouco é tão grande que mata todo o resto.
Como é que uma criança nessas condições pode ainda acreditar em qualquer coisa? Como pode acreditar em histórias de crianças, conto de fadas, príncipe encantado? Como é que ela pode acreditar que o amor vence tudo?
E como - por favor, alguém me explique - ela pode definir o que seja ela? O que é seu corpo, onde ele começa? Onde termina?
Parece que a igreja não alcança a dimensão do que esse ato de invasão pode causar na vida de uma pessoa. Parece que ela não percebeu o homicídio em vida quando alguém submete outro ser, menor e mais fraco, a um desejo desmedido de destruição que vai muito além do sexual, pois o que se rouba não é a pureza, ou o hímen.

O que se rouba, nesses casos, é a alma.