Depois do tratamento começado, remédios tomados, efeitos colaterais controlados, veio a inversão da ordem. O corpo, afinal, ataca a doença? A doença, afinal, é cria do corpo? Quem começou essa briga de criança? Quem se defende e quem ataca? Qual dos dois merece castigo? Diante do empate, o embate derradeiro: "Agora sou eu ou você! Um de nós tem que morrer." Ameaçou o velho menino , debaixo da cama, escondido no escuro. O barulho lá fora, de pegada forte, de porta sendo forçada, era um conforto diante dos lobos e bruxas lá dentro. Dentro de onde? Dentro do corpo, ora bolas. Onde mais? No lugar mais escondido e protegido possível. De onde mais viria o ataque? Naquela hora da madrugada?
Eu posso até chamar pimenta de sal. Rebatizá-la. Fazer cerimônia. Molhar as pontas em água benta e renomear. Posso registrar em cartório e mudar a filiação. Posso adulterar as datas, falsificar assinaturas, recontar a verdadeira história e dizer que foram descobertos documentos antigos. Que foram feitas pesquisas. Que os cientistas aprovaram. Mas quando eu colocar na boca... ... vai arder! Certeza!!! Eu posso até ouvir gritos e socos na mesa, dizendo que é por amor. Posso aceitar que o dragão lá fora está só prezando por segurança e por isso não deixa ninguém entrar ou sair. Que é por cuidado que ele sai de casa e volta trôpego, guardando o ruim para a rua. Que é por distração que urubu vira meu loro e o nome é trocado na noite. Mas vai ferir! Posso até dizer que é por limpeza de honra as ofensas e agravos cometidos. Que o ciúme é a maior prova de amor, e das mais puras. E que os escândalos descabidos são por busca de sanidade, para evitar o pior. Mas machuca do mesmo jeito! Posso estudar muito e fazer cursos de extensão. Conhecer o mundo e experimentar comidas estranhas. Aprender a negociar e regatear em outra língua. Mas sem nomear as coisas como são, sou nada além de analfabeto. Espécie de comida pastosa para quem não desenvolve o maxilar. O choro contrariado dos bebês e dos bêbados sonolentos. A contagem atropelada da cantora que pulou o jardim de infância, sem contato com ábaco, entrando na hora do solo. Mas faltará o básico! Faltará o nome! E caberá qualquer palavra errônea, só pra completar a lacuna, preencher a ficha, encher o vazio, empilhar o lixo. Mas vai faltar espaço!