quarta-feira, 27 de maio de 2009

DIREÇÃO

A criança tá lá brincando com tintas. O papel escorre, rasga, e quando a gente acha que já tá tudo tomado, vem a última pincelada e tinge tudo de... marrom.
Todo o colorido de antes agora vira uma cor só. E a mãe rosna do lado: Carlinhos*, você estragou tudo!!! Não sabe brincar?
Ela não acha bonito o que tantas cores juntas fazem. E aí começa o drama de toda a vida.
-Deixa meu filho, agora mamãe te ensina. Desenha aí uma casinha. Casa tem que ter chão viu?
Parece até que o Carlinhos*, de 3 anos, vai fazer teste psicotécnico. Mas tem que ensinar, assim ele já aprende quando precisar dessa informação.
Assim cresce o Carlinhos*, esperando um guia prático do brincar, esperando um guru, um mapa, uma dica de como é que se pega o gato pulando.
Ele cresce e me jura de pé junto que não sabe pintar nada. Que não sabe fazer nada, aliás. Mas que sua mãe deve saber. A professora deve saber. O padre deve saber. O chefe deve saber... Mas ele, coitado, ao contrário da foto aí de cima, não pôde experimentar a tinta na pele, e muito menos deixá-la escorrer no papel.
Outro dia saiu na revista Época matéria sobre aula de artes em escolas.
Eu ali perplexa diante da revista que mostrava uma foto de crianças copiando um quadro escolhido pela professora- será que essa se formou em quê?
Fiquei chocada não pela habilidade das crianças em copiar quadros - elas se mostraram muito boas no que faziam. Mas em me deparar com o aniquilamento da espontaneidade da brincadeira, com a morte prematura da infância no que ela tem de melhor.
E no que dá isso afinal?
Ora, nem precisa de bola de cristal prá adivinhar.
Se a criança acha que não sabe brincar quando é criança, ela crescerá achando que sabe fazer o quê de bom?
Seguir o manual, claro.

3 comentários:

Tati Gonçalves disse...

Bravo, Soraya!
Adoro seus textos!
Nada de passar a mão na cabeça: alfinetadas que levam a reflexões.
Obrigada.

Sylvia Araujo disse...

Ensinar a ser livre é a maior dificuldade dos pais. Isso eu sei. De cadeira. Mesmo porque trazemos em nós milhões de manuais que se repetem e se repetem, num sem fim de dar dó a nerd. Eu, depois que fui mãe, resolvi desaprender, pra aprender tudo de novo junto com o pequeno. Andei rasgando algumas regras e criando com ele algumas outras mais. Mas te confesso que me controlo muito, e quando sai uma repressão aqui, outra ali, só me resta pedir desculpas, dizer que amo, encher de beijos e recomeçar.

É sempre bom voar por aqui...

Beijoca

Sandra Rosa disse...

Perfeito! Tatiane me apresentou seu blog e não pude deixar de comentar. Incrível como estamos sempre atropelando as fases!
Parabéns!