segunda-feira, 5 de setembro de 2011

A LITERATURA SALVA



Palavra mágica abre cavernas, Aladim!
E foi assim que ela o encorajou a insistir em histórias tantas que não eram muito bem dele, mas que poderiam ser, se pronunciasse o que o outro queria ouvir naquele momento.
Não vou falar aqui de amor. Deixo isso pro Xico Sá, ou pro Carpinejar.
De política tampouco. Meus parcos estudos sobre o assunto tornaram-me a pessoa mais sugestionável e paranoica que possa existir nesse âmbito.
Acho sempre que ELES - sejam ELES quem forem- estão planejando tudo na surdina. e manipulando meus desejos e me fazendo jurar que assisto novela por pura distração - e não prá fingir prá mim mesma que descanso assim vendo outras vidas e dando pausa na minha.
Meu tema aqui é outro. Qualquer outro. Desde que seja um outro preso no papel ou na tela.
Um que eu mesmo invento e sei que não passa de personagem.
Um que me rouba o ar e enche minha garganta de plástico bolha que jamais estoura, só prá ter angústia como matéria-prima e me fazer talhar e esculpir personagens.
A literatura salva!
Mas literatura não salva no sentido heroico da coisa.
Ela economiza, isso sim.
Não importam provas de realidade. Não importam cicatrizes descritas ou hematomas narrados.
Lá, na escritura, ela nos poupa de sentir os cheiros mais alucinatórios da realidade. As cores primárias são fortes, mas jamais cegam.
E os amores, ah, os amores...
Esses podem sobreviver por mais que a sentença de morte tenha sido lida ante-ontem.
Estes sobrevivem e marcam os leitores sempre saudosos de nunca jamais na vida terem se envenenado com o beijo de Julieta, guardando no canto da boca ainda uma última gota para ser usada apenas em caso de emergência.
A literatura salva, e poupa, e limita a capacidade do punhal e do gozo. Espécie de recalcamento desejado. Contato com a morte sem UTIs ou velórios.
Disso que leio, só quero isso que leio. Sem surpresas, sem misturas. Massa homogênea que por mais que se mexa jamais se contamina com atrasos ou declarações inesperadas.
Diante disso, vou ali tomar um gole de água. Molhar a garganta e deixar cair, num tropeço, um tanto na roupa, que me deixará em choque térmico exagerado de tanta falta de literatura.

7 comentários:

Miriam Esperança disse...

Essse texto me trouxe a culpa que um tanto é minha, mas o outro tanto não sei a quem pertence. Essas semanas me embriaguei de Rubem Alves sabe o que sacia e angustia é a falta de vontade de sair dali. Então a literatura salva tanto quanto o opio da imagem com final ainda não deduzido pelo autor. Mas a literatura me deixa um gostinho de saudade. De algo já partilhado por cumplicidade de também saber. Mas ainda ando culpada por não ter tempo para desocupar.

Alex Cojorian disse...

"a arte existe para que a verdade não nos destrua" - ando com essa frase fatalística na cabeça ultimamente. Mas a verdade - a nossa verdade íntima - é que a arte é um local de aconchego, onde nos abrigamos das agruras, e mesmo quando destilamos as angustias, é também uma espécie de lenitivo para os nossos males...

soraya disse...

ás vezes acho a arte muito perigosa.
Periga o refúgio ser tão bonito (ou conhecido e seguro) que a gente nem preste atenção mAis num céu estrelado. e fique só com os quadro de estrelas e a leitura de horóscopo crente que isso é vida.
e isso lá é vida???

Rogério Silva disse...

Lendo "O famigerado" de João Guimarães Rosa eu decidi. A literatura salva sim! "Só tinha de desentalar-me. O homem queria estrito o caroço: o verivérbio. -Famigerado é inóxio, é "celebre", "notório", "notável"..."
Decisão puramente comodista. Somente o farmacêutico poderia dar a sentença apaziguadora. Claro que uma sentença heróica que salva a personagem. Mas na literatura, como na vida real é preciso algo mais, aquilo que você chama de espécie de recalcamento desejado. Contato com a morte sem UTIs ou velório.
Não é preciso recorrer a Derrida em "Freud e a cena da escritura". Joel Birmann é mais esperto do que eu para desenvolver isso. Eu fico mesmo com Roland Barthes para dizer que o prazer texto não é forçosamente do tipo triunfante, heróico, musculoso. O prazer pode muito bem assumir a forma de uma deriva. A deriva que se percebe na linguagem social, como na novela que se assiste por pura distração - e não para fingir para si mesma que descansa no intervalo da própria vida.
Uma embriagues de Rubem Alves pode, no máximo, inebriar, mas não curar uma ressaca de angústia.
Alex Cojorian, quando você fala de arte como um local de aconchego, onde nos abrigamos. Dou razão à Soraya com sua interpretação. Arte cheirando a crença?...

Anônimo disse...

A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida, dizia Pessoa. Seu texto é um primor, parabéns, e obrigado por seu comentário lá no blog. À propósito, sou primo do Pingo sim, do Peréio, da Lara e de toda essa turma. Um abraço.

Anônimo disse...

falar da vida é falar de amor, no ser mais profundo de alladim ele criava seu mundo explorava e encontrava tudo aquilo que viraria realidade as vezes muitas coisas não podem virar realidade mas não precisam deixar de imagina-las, só amo por criar um mundo imaginário com como fazer meu desejo saudável, poder compartilhar um tropeço.

reflexão disse...

A literatura, quando bem utilizada, quando bem escrita, com propósito sério. E buscando esclarecer sobre os valores que norteiam a vida. Fazem do ser humano mais ser e mais humano. Falar em salvar, não sei, talvez salvar seja uma palavra muito forte para a sua amplitude. Mas dizer que contribui acho que é mais justo.