
Entro numa livraria qualquer. Desavisada e ingênua. Só prá olhar as novidades mesmo.
Impressionante como os últimos lançamentos ensinam tudo sobre mim. sobre você. sobre qualquer um.
Tudo prá gente aprender a controlar de vez o que eles chamam de eu, prometendo mundos e fundos com esse poder todo exercido sobre nós mesmos.
Nada importa. Nada é obstáculo. Nada me atrapalha. Só eu. ops: só o eu.
Só ele - o eu - vale alguma coisa.
Só ele tem superpoderes de saber e prever tudo, planejando exatamente o que acontecerá. Isso se você seguir o manual direitinho. Claro.
...E passeio pela livraria tentando fugir do eu - de mim mesma? leitura pobre essa - e vendo o que uns outros mais interessantes têm prá me dizer.
E controlada e sabendo o que procurava pois já domino o eu - hahaha - encontro uma das coisas mais lindas.
O Ferenczi, meu analista favorito, faz uma longa explanação sobre o ato sexual. E eis que ele coloca o beijo como um fator de dissolução do ego.
O beijo na boca, somado ao abraço, são elementos de dissolução do ego, pois nesse momento ninguém precisa muito de ego. O que se quer é se misturar ao outro, procurando um ritmo, uma respiração, um jeito de estar junto sem competição prá ver quem domina, quem está certo, quem comanda.
É o beijo o instrumento primordial para se abrir mão do que quer que seja chamado de eu. Sem isso, qualquer troca fica, inexoravelmente, impossível.
Fico aqui encarnando a Chapeuzinho, me perguntando sem parar:
-Prá que esse ego tão grande?