terça-feira, 31 de março de 2020

EM TEMPOS DE FIM DOS TEMPOS



É até interessante ouvir que pessoas sentem falta de pessoas nesse isolamento em que vivemos. Convém nos perguntarmos: Desde quando?
Há muito tempo que casais ficam lado a lado na cama, cada um com seu celular na mão, sem sequer olhar de banda quem é mesmo que está do lado.
Há muito tempo os almoços de domingo não tem ninguém mais que roube a batata frita do prato do primo, só de brincadeira.
Há muito tempo os corpos não se flagram batendo o pezinho ritmado ao ouvir desavisado um batuque nas redondezas.
Há muito tempo a gente vai à praia e não consegue ouvir o barulho do mar, com tanta música ruim tocando.
E, nesse caso, toda música que abafe a música do mar é muito, muito ruim.
De repente vem essa espécie de meteoro e... ZÁS, trancafia todo mundo com algum resquício de amor próprio em casa.
Agora é que são elas!!!
Exercício contínuo de convivência. Não com o parceiro ou família, afinal, tanta gente mora sozinha. Mas principalmente consigo mesmo.
Há sempre a sedução assassina de se matar o tempo. E a pergunta que não é feita: qual tempo estou matando? O meu?
Ahhhhh, o ser-humano, definitivamente, não foi a melhor invenção de Deus.
Há sempre o hábito de implicar com o outro, pelo menos pra encontrar alguma oposição. Em tempos de fim dos tempos, qualquer encontrão já é encontro. qualquer discussão já enriquece. Mas será que é "qualquer" mesmo?
Eu não consigo acreditar que a maioria das pessoas está sem trabalho, sem saber como sobrevive na semana que vem, e mesmo assim se atrapalhe com o que seria "qualquer" discussão.
Nesse nosso apocalipse, cabe bem uma faxina interna. Chorar quando é de chorar - quem não chorou  ainda tá de bobo no mundo - e rir na hora de rir. Priorizar o que realmente é prioridade - parafraseando BNegão - e iluminar aquele sótão camuflado, recuperando relíquias e histórias realmente preciosas.
E se ficar realmente insuportável o isolamento, tô por aqui!!!!
Não vou sair de casa, não. Até por um dever cívico de desobedecer o Presidente.
Mesmo morrendo de vontade de dar um mergulho, penso que não posso profanar as águas com minha presença. De alguma forma misteriosa e até divina, a natureza tá berrando no meu ouvido:
"Não entre na minha cozinha com esses sapatos sujos, pois estou faxinando a lambança que milhões de pessoas como você fizeram".