terça-feira, 29 de dezembro de 2009

ATÉ QUE PROÍBAM...



Sumi uns tempos. Tá certo. Assumo.
E retomar as coisas depois de uma ausência longa é sempre complicado.
E foram tantos assuntos, tantas manchetes, que acabei comendo muita mosca sem dar pitaco algum.
Nesse tempo de sumiço me perdi no apagão, fiquei com dó do pito que Caetano levou da mãe (brigar com as crianças assim em público, minha senhora?), vi brotar do Arruda tanto dinheiro que dava prá benzer o país, quis matar o padrasto do menino-faquir-sacrificado, vi os esperançosos crentes tardios em Papai Noel tentarem esfriar o mundo lá na ala VIP, enquanto o pessoal daqui debaixo do Equador, acostumado à mão boba do bom velhinho, nem sabia o que acontecia...
Mas meu sumiço era pura adaptação.
Por uns tempos fiquei sem saber o que eu podia e o que não podia. O que era proibido, o que o seu guarda deixaria passar, o que ameaçaria minha liberdade ou bolso...
Água de coco pode?
E queijo coalho, pode?
Cervejinha de noite só de táxi né?
E fumar? ah, o segurança disse que lá no estacionamento, no meio dos carros passando, é o local de fumantes. Ali na chuva. Tá vendo?
Como se vê, todos estão muito preocupados com a minha saúde. Ô glória!!!
Jogar bola na areia?
Frescobol?...
Eu, na verdade, não faço nem a metade do proibido. Mas de repente não podia tanta coisa, tanta coisa, que fiquei sem saber o que é que pode. e temi ser caçada por dizer alguma coisa que era proibida e eu ainda não sabia.
Liberaram meu alvará prá uma casa na encosta, e não fazem nada contra a política de extermínio que usa crack, prostituição infantil e fome como armas. Mas o queijo coalho? Ah, esse é fatal.
Bom... Mas enquanto a gente confundir quem manda com quem cuida, o risco dessa interdição mental, que nos julga sempre incapazes demais prá escolher o cardápio, estará à espreita.
Quem se junta?

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O MILAGRE ou O DIA QUE PERDI UM CARRO ZERO

Semana passada ouvi de um paciente o quanto ele gostaria muito que algo mágico acontecesse em sua vida. Como ele queria testemunhar um milagre divino.
Eu, do alto de minha curiosidade, questionei que tipo de milagre seria esse. Afinal, com meu raciocínio propabilístico matemático quase nulo, pois nunca fui boa em contas, ainda com essa limitação, me lembrei de alguns casos mágicos em que o sujeito era divido em dois, trasnformado em sapo, ou simplesmente dormia por séculos.
Será que era esse o desejo do paciente?
Questionamos um bocado essa 'coisa maravilhosa' externa que viria, sem o menor esforço do interessado. E nem conto o desfecho da história pois não cabe aqui.
Eu lá, cética toda vida, duvidando de milagre divino por já estar bastante enfadada de manifestações religiosas onde quer que eu vá... Não é que meu celular toca e recebo uma mensagem fantástica?
Acabo de ganhar um citroen.
Meu número foi simplesmente sorteado para ser contemplada com um carro zero.
Maravilha! Vai me resolver vários problemas. e eu nem esperava esse final feliz.
Nunca ganhei nem jogo de par ou ímpar - muita sorte no amor né não?!? Não jogo na loteria e o bicho que sonho é sempre um quase ganhador, um bem parecido, não fosse o bico, a tromba, o rabo ou os dentes.
Então, ó raios, como me escolheram prá esse momento lindo? Logo eu, que por experiências empíricas sempre observei que o que cai do céu ou vem do pombo ou foi abatido pelo tráfico.
Será que era prá eu começar a virar crente e finalmente engolir o tal do 'Segredo'?
Será que alguém quer me convencer que sou mais do que uma em bilhões? Se for isso, quantas serei?
O meu interlocutor não aceitava perguntas, só dizia: minha senhora, a senhora está desconfiada? a senhora deveria estar é muito satisfeita em ser contemplada por esse sorteio. Basta fazer o que lhe digo, encaminhe-se ao caixa eletrônico mais próximo de sua casa que lhe darei as instruções de como receber o seu prêmio.
Me peguei na mesma hora com tudo o que é santo como faz todo mundo que tem essas sortes. Agradeci, orei e confiei.
cof, cof, cof...
Só tossindo mesmo prá cair na real e parar de confiar assim no que venha de fora assim tão de mão beijada. Sem promessa, sem joelho ralado em escadaria, sem vela do tamanho da Gisele Bundchen - vela da minha altura o santo nem quer.
Bom, nisso tudo acabei ficando sem o carro ou valor dele depositado na minha conta. Mas em compensação não tive que financiar o crack de ninguém do presídio de fortaleza - o rapaz do disque-denúncia me falou que vinha de lá a ligação.
Aí volto ao meu paciente e pergunto de novo: que milagre você quer mesmo que aconteça? que mágica é essa que precisa vir de fora, sem sua mínima interferência?
A resposta dele eu já sei.
E a minha é só uma: sem arregaçar as mangas e mudar dentro, fica difícil acontecer alguma coisa boa aqui fora.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

ETERNAMENTE RESPONSÁVEL?

Se tem uma história de criança que me arrepiava muito mais do que qualquer Bruxa, Fera ou Lobo Mal era a do tão singelo e viajante 'Pequeno Príncipe".
Não por jibóia ou planeta longe de casa, mas pela eternidade de qualquer escolha que ela me remetia.
"Tu te tornas ETERNAMENTE responsável por TUDO aquilo que cativas". Já viu maldição maior?
Nem cigana, nem mãe, nem madrinha são capazes de rogar praga tão devastadora que nem essa.
Fico imaginado a Juliana Paes com uma fila de marmanjos na frente de casa dizendo: Dá prá mim, Juju, Você me cativou, agora tem que se responsabilizar.
Já pensou?
E o eterno? Como é que fica? Demora ?
Mas deixemos a moça quieta e partamos para os caminhos, as conquistas, as opções. Como é que se cativa? O que é que se cativa?
A gente faz um monte de escolhas na vida, de acordo com determinadas situações, que acabam acompanhando a gente por tanto tempo que a gente nem sabe mais como é que rescinde o contrato. E elas ficam assim mais eternas que os diamantes. Um(a) marido/ mulher; um diploma; uma carreira; um concurso; uma postura política; uma casa com piscina.
Mas é eterno heim?!? Não me venha querer mudar o que você defendeu outrora com tanta graça e donaire. Tem que escolher bem direitinho, pois no fim, a responsabilidade é TODA sua.
É o mesmo que dizer: Olha, você só tem uma bala. E não pode errar o alvo. Ou ainda: A felicidade só bate UMA vez a sua porta. Só uma.
Se saiu prá comprar pão... babau. Ela não manda bilhetinho, não faz segunda chamada, nem deixa recado após o o bip.
Só que tem uns passos na vida da gente que ficam parecendo baratas. Pode explodir bomba atômica que eles não morrem de jeito nenhum. Afinal, se era carreira prá vida toda, se era casório até que morte separe, não pode simplesmente mudar assim. Melhor nem questionar muito. Nem arriscar fraturar a palavra, e ao invés da responsabilidade já falada, vem sim uma culpa tremenda pela escolha do cativeiro. Culpa do passado, ou de um só passo, que acabou degringolando todo o resto.
Mas aí eu pergunto, gajo: Só porque viste a casca de banana cativa, precisas escorregar nela prá reafirmar sua palavra, ó pá?

sexta-feira, 31 de julho de 2009

LÂMINA



Antigamente, mas muito antigamente mesmo, os cuidados dos doentes eram destinados à Igreja, que diagnosticavam sempre os males do corpo como influência de algum demônio ou fases da lua e interferência dos mortos.
Muita gente morreu por isso, pois quando a reza não dava mais conta, o negócio era tirar o demônio na faca. Tirava-se demônio, mal olhado, tripa, vida, tudo. Bastava um singelo corte e podia-se comemorar a cura lá no enterro do infeliz.
Passaram-se os anos, o mato cresceu ao redor, e os leigos começaram a exercer umas curas ali, outras acolá, sem precisar de tanto procedimento cirúrgico. Até que veio um cabra metido a pensar e existir - um luxo só - e separou tudo.
Alma é alma. Corpo é corpo. E não se fala mais nisso. O casal se separou e nunca mais se olhou nos olhos.

Ele - o existente pensador - podia assim dissecar passarinhos vivos, e seres humanos também, já que a alma nada tinha que ver com o corpo. Este era pura matéria, e não alcançava as questões profundas e perturbadoras que a alma lhe colocava.
Fomos condenados desde então a falar em dois monólogos desentendidos, sem sincronia, sem sintonia, meio esquizo, meio dividido, meio... Meio metade.
Feito sol e lua que não se encontram, salvo os fenômenos de eclipses psicossomáticos que ainda teimamos em observar a olho nu, essa divisão não ficou só ali nos passarinhos, nem na equação lógica do ser que pensa que existe. Ela insiste em bater o pé e em exigir, como aquela pergunta perversa que se faz às crianças: "De quem você gosta mais? Da mamãe ou do papai?"
E a gente, que não suporta ver uma pergunta sem resposta, sai correndo prá completar as lacunas e escolher um só, como se os candidatos brigassem na rinha. E como se a gente tivesse alguma coisa a ver com a briga.
O Woody Allen, debochando dessa briga do corpo com a alma, diz que a gente deve escolher que metade preferimos. Se a de cima ou a de baixo.
Eu, que não sou cineasta, nem tampouco cientista, só fico na preguiça - se eu entrar nessa briga, vou perder sempre, seja apanhando do corpo, seja da alma irrequieta - e coloco os dois trancados no meu quarto-pele, prá ver se eles param de brigar e saem do castigo de mãos dadas, bem amiguinhos.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

...AOS PORCOS?

Vez em quando ouço por aí como Fulano ou Cicrano têm vontade de fazer análise, mas... é muito caro. E pergunto, provocando: - Mas custa quanto? Resposta certa e invariável: - Não sei. Mas é caro. Melhor gastar essa fortuna no bar, no shopping, no salão de beleza ou numa orgia qualquer. Lembro de quando eu era criança e ganhava dinheirinho prá comprar balas. Se eu quisesse fazer qualquer outra coisa, não conseguiria, mas aqueles trocados davam prá pagar um montão de balas. E assim, me achava riquíssima. Era tudo o que eu tinha, e era tudo o que eu podia comprar. Se a infância tivesse prazo de validade e acabasse assim que começasse a pré-adolescência, tudo bem. Passado seria passado e estaria lá longe, num tempo inalcançável, pois dizem que o tempo não volta. Porém, ah porém... Costumo encontrar crianças de TODAS as idades em qualquer esquina. E as mais crianças de todas são as que compram balas e brinquedinhos como moto, carro, lancha, roupa de princesa e etc. até hoje por acharem qualquer outra coisa que as faça crescer muito além de suas possibilidades. São as crianças aprisionadas em corpos de adultos, que já podem comprar brinquedos, mas se esqueceram de como é que se brinca. Não discordo de Fulano e nem de Sicrano. Análise é caro, sim! Caro porque dá trabalho. O trabalho de sair desse lugarzinho chato, dessa cadeirinha de faquir cheinha de pregos que incomoda tanto, mas que parece que nos cabe tão "bem". E de mais a mais, ninguém tem tempo prá essas coisas (essa é a segunda desculpa prá não se fazer análise). Ninguém tem tempo nem dinheiro prá essas "bobagens" que fazem a gente pensar e inventar dialetos numa cumplicidade resgatada. Que fazem a gente vivenciar mitos, produzir personagens e fugir de mera reprodução do cotidiano. Que possibilita um sem número de variações criativas (é disso que se trata uma análise) que nem todas as crianças podem ter, pois a maior parte delas só chupa balas. E prá não pagar esse preço altíssimo, dá-lhe contar problema em fila de banco, em banco de táxi, em boteco pros "amigos" que não ouvem mais nada. A semeadura foi feita no asfalto. As pérolas foram dadas aos porcos. E os pobres coitados não têm a menor ideia do que fazer com essa poesia toda. E seguir criando, continuar investindo, sem ninguém prá ver esse espetáculo todo que é o movimento ganhando novas dimensões fica meio chato, sem motivo ou propósito, estéril enfim. Deixemos aos porcos só suas lavagens. Que tal produzirmos joias?

terça-feira, 16 de junho de 2009

TRADUÇÕES



Lembro até hoje de quando li um certo autor clássico e de como me embrenhei naquelas páginas guerreiras e heróicas me sentindo das mais nobres pelo simples fato de estar eu ali, com o livro na mão, entrando numa história que não era minha. Aparentemente. Mas que me fazia entrar e ficar bem à vontade.
Pouco tempo depois sai fresquinho do forno, ao alcance de todos nas bancas de jornal, uma outra história do mesmo autor.
E eu não conseguia entrar em nada...
Lia, relia, me perdia nos parágrafos e frases mal feitos. Até que percebi que tinha nas mãos não um livro, mas uma heresia. Um pecado. Uma hýbris das mais cruéis. Assassina, esquartejadora, impossibilitadora de me dar o passe para aquela história.
Uma tradução péssima de uma obra de arte.
Larguei o livro de mão e esperei lançamento de outra editora, já que não falo grego. O que mais havia de se fazer?
Comecei então a desconfiar bastante das traduções. E a frase tão famosa que se anuncia por aí, que prá bom entendedor pingo é letra, ganhou (ou perdeu) um sentido especial prá mim dentro e fora da clínica, quando dela também desconfiei.
Não é nada raro a gente ouvir - 'Fulano disse isso, como quem quer dizer aquilo.'
Aí está o outro lado da moeda da comunicação. A da interpretação ruim. A de achar que entende tudo antes mesmo que o 'tudo' seja dito. A de decifrar o que não está escondido. A de procurar códigos, escritos, sentidos ocultos onde está tudo límpido e claro.
E assim começa um novo ciclo das traduções. Aquelas às pressas, ansiosas, quase hipermétropes, que não conseguem enxergar um palmo à frente, mas ao mesmo tempo crêem enxergar lonnnnnnnnnnge.
Tão longe que nada podem ouvir.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

DIREÇÃO

A criança tá lá brincando com tintas. O papel escorre, rasga, e quando a gente acha que já tá tudo tomado, vem a última pincelada e tinge tudo de... marrom.
Todo o colorido de antes agora vira uma cor só. E a mãe rosna do lado: Carlinhos*, você estragou tudo!!! Não sabe brincar?
Ela não acha bonito o que tantas cores juntas fazem. E aí começa o drama de toda a vida.
-Deixa meu filho, agora mamãe te ensina. Desenha aí uma casinha. Casa tem que ter chão viu?
Parece até que o Carlinhos*, de 3 anos, vai fazer teste psicotécnico. Mas tem que ensinar, assim ele já aprende quando precisar dessa informação.
Assim cresce o Carlinhos*, esperando um guia prático do brincar, esperando um guru, um mapa, uma dica de como é que se pega o gato pulando.
Ele cresce e me jura de pé junto que não sabe pintar nada. Que não sabe fazer nada, aliás. Mas que sua mãe deve saber. A professora deve saber. O padre deve saber. O chefe deve saber... Mas ele, coitado, ao contrário da foto aí de cima, não pôde experimentar a tinta na pele, e muito menos deixá-la escorrer no papel.
Outro dia saiu na revista Época matéria sobre aula de artes em escolas.
Eu ali perplexa diante da revista que mostrava uma foto de crianças copiando um quadro escolhido pela professora- será que essa se formou em quê?
Fiquei chocada não pela habilidade das crianças em copiar quadros - elas se mostraram muito boas no que faziam. Mas em me deparar com o aniquilamento da espontaneidade da brincadeira, com a morte prematura da infância no que ela tem de melhor.
E no que dá isso afinal?
Ora, nem precisa de bola de cristal prá adivinhar.
Se a criança acha que não sabe brincar quando é criança, ela crescerá achando que sabe fazer o quê de bom?
Seguir o manual, claro.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

VOZES

Qualquer desajustado que se preze apresenta como um dos primeiros sintomas a audição de vozes que não se sabe muito bem porque escolhem logo aquele ali prá azucrinar.
A voz manda. A voz sugere. A voz xinga e o chama de incapaz. A voz dá a entender que todo mundo está contra, e que só ela é a real companheira daquele amado ouvinte.
Se isso ficasse só com os loucos, tava tudo meio certo. Era calar a voz dos pobres coitados escolhidos com uma boa dose de sossega zoológico inteiro e pronto. Silver tape colado na boca de quem atrapalha a ordem natural das coisas.
Só que a voz está aí, o tempo inteiro, em toda parte. E ela fala tão alto que ninguém mais se escuta ( o 'se' aí usado tanto no sentido de reciprocidade como no que se refere a uma auto-escuta).
Há um hábito de escutar e engolir tanta coisa, tanta informação, tanto pitaco, tanto ensinamento de como viver essa ou aquela situação que a gente acaba se esquecendo um pouco de como é que fala. E fica dando créditos aos outros como se não tivéssemos um bom currículo prá dizer isso ou aquilo, afinal, por mais que a gente leia, o título de especialista não é prá qualquer um.
Só que assim fica uma voz presa lá na garganta. E às vezes parece que ela incha tanto, que acumula líquidos e pus. Que inflama até chegar no peito.
Aí danou-se. Dói tudo. E não há livro ou receita ou revista com testes que deem jeito.
Tem que fazer barulho. Tem que chorar, berrar, espernear, socar a parede. E de preferência com alguém ético prá testemunhar tudo isso sem revidar depois.
Bom, meu recado eu já falei. Agora fala tu!



Apesar do cara aí da foto estar todo costurado, esse é um jeito dele berrar. Se ele simplesmente se calasse, sem incomodar ninguém - a foto incomoda né? - nem notariam sua existência. Mas o prisioneiro paraguaiao pôde ser 'ouvido' mesmo sem pronunciar uma palavra. Olha que voz forte!

domingo, 19 de abril de 2009

ESSE LUGAR...

Recebi um postal com essa montagem de alguém muito querido na minha vida há mais de dez anos e resolvi dividir aqui com vocês essa maravilha.
Pensei nuns 5 textos completamente diferentes prá ter a desculpa de colocá-la aqui.
Eu podia falar da tirania da crianças com seus pais na atualidade.
Podia abordar a culpa materna em relação à criação dos filhos.
Podia falar de tanta coisa...
Podia estar matando e roubando mas resolvi vender aqui o meu peixe e questionar esse lugarzinho miserável em que a gente é colocado o tempo inteiro.
Chega a ser até engraçado como a gente pode se formar, fazer pós, ter filhos e constituir família,... Mas vem sempre um tentando colocar a gente na cadeirinha do papá.
experimente ir a uma reunião de pais na escola e veja como a professora primária, aquela que a gente sabe que não sabe nada do que tá fazendo, mas que teima em confiar achando que ela estudou sobre o desenvolvimento infantil vai lhe tratar.
Prá começar, seu nome não existe. É "mãe" e pronto. Assim fica mais fácil, infalível até, e o puxão de orelha que ela lhe dará fará mais efeito sem intimidade alguma.
Com os médicos não é muito diferente. Você será sempre um mal criado, que teima em fazer tudo errado do que ele prescreveu, mesmo que o efeito colateral do remédio que ele receitou lhe seja insuportável.
Com o chefe então... Nem precisa dizer.
Por mais que seu cabelo embranqueça e suas rugas apareçam na testa, ele controlará seu horário e idas ao banheiros como se você tivesse que pedir a cada vez, com o dedinho levantado: "Tia, posso ir no banheiro?"
Aí você chega em casa e encontra seu parzinho de vaso, sua cara-metade, perguntando por que demorou tanto, por que não telefonou, e dizendo que é melhor dormir cedo pois amanhã é dia de super-mercado.
Nem falo aqui de mãe e sogra que, por mais que você tenha 50 anos e seja forte como um touro, sempre vão perguntar se você está se alimentando direitinho - uma porque quer você forte, outra porque quer te explodir (Cabe a cada um dar o nome aos bois).
E quando te chamam pelo nome completo então?!? Você já espera o castigo, a surra, pois a "justiça" não falha nunca. E é a vez de a perna tremer, o medo chegar e a voz não vingar.
Sair desse lugar infantil não é prá qualquer um não. Muito menos sem uma ajudinha.
Então, diante disso, só posso te desejar:
Vê se cresce, tá?!?

terça-feira, 7 de abril de 2009

NÃO ME SEGUE QUE EU NÃO SOU NOVELA.


Apesar do erro gritante da frase, ela fica melhor assim, do jeito que todo mundo fala. Já que todo mundo fala mesmo...
E apesar de já ter comentado aqui do meu gosto por novelas, acho logo uma explicação prá ele:
É que vendo novela, me sinto MUITO inteligente.
Eu sei tudo o que acontece. E posso analisar a vida dos outros, e falar com a tv, como se os personagens me ouvissem.
E não é que eles fazem exatamente o que pensei?
Incrível como eles adivinham o destino que falei prá eles, parece até que ouvem...
Mas não ouvem.
Vamos ao choque de realidade nos defrontar com a ilusão que o autor criou para que nos sentíssemos mesmo MUITO inteligente e achássemos que somos co-autores.
Só que essa co-autoria não é só na novela. No futebol, por exemplo, todo mundo entende tudo. E quando o assunto é a vida dos outros então... Aí não tem prá mais ninguém.
Além do desejo de saber de tudo da novela, tem uma outra coisa também que não pode se perder por aí, que é o desejo de ser muito importante na vida alheia.
Aquela vontade de ter a chave das coisas, de saber 'o segredo', de indicar o caminho e dirigir a cena quase como um... flanelinha. (Pensou que fosse o diretor né?)
Fica só sinalizando do lado de fora do carro, e berrando prá quem tá lá dentro seguir as instruções: - direita, volta, esquerda, desfaz,...
Olha só o que uma novela faz na vida da pessoa!
O interessante é que, geralmente, quem tá do lado de fora, não tem a menor idéia do que se passa lá dentro do carro, da casa, do outro.
Daí o palpite ficar muito fácil de ser falado.
Mas quem perguntou?

sábado, 7 de março de 2009

MORTE EM VIDA

Num dos trechos mais marcantes do filme "A vida dos outros", um torturador se diverte narrando minuciosamente como ele mata suas vítimas em vida, analisando, de acordo com perfil delas, a melhor maneira de lhes infligir a dor.
Ele roubava o último fio de vida que um ser humano podia ter, assassinando e trucidando qualquer vontade, qualquer desejo, qualquer talento que o sujeito tivesse antes da tortura.
Mundando o cenário aqui e saindo da ficção, de acordo com o Dom não sei o quê de Recife e Olinda - tenho resistência a guardar nomes de quem não admiro - o estupro não é um crime tão grave. É só rever 'Má educação" e temos a posição da igreja quanto a isso facilmente revelada ali.
Aparentemente uma cena não tem nada da outra, até por ser a primeira tirada da ficção e a segunda da estatística mais cruel que se possa obter.
Só que eu não consigo diferenciar o perverso que estupra uma criança do torturador que aniquila as almas, fabricando zumbis que pastam pelo globo.
Parece que eles não têm a menor idéia do que fazem ou pregam, ao banalizar o uso à força do corpo alheio para o bel prazer, sem consentimento, sem maturação, sem nada mais.
Que a igreja tenha um olhar um tanto extraviado do que seja o corpo, tido como um fardo que deve sofrer, não é novidade prá ninguém.
Mas de onde vem a idéia de transformar vítimas em culpados? De onde vem a idéia de medir a dor do outro e de reduzi-la como se assim ela deixasse de existir, como se perdesse a importância.
Quando uma criança é estuprada, ela simplesmente perde o que há de melhor em sua vida. Ela morre um pouco. E esse pouco é tão grande que mata todo o resto.
Como é que uma criança nessas condições pode ainda acreditar em qualquer coisa? Como pode acreditar em histórias de crianças, conto de fadas, príncipe encantado? Como é que ela pode acreditar que o amor vence tudo?
E como - por favor, alguém me explique - ela pode definir o que seja ela? O que é seu corpo, onde ele começa? Onde termina?
Parece que a igreja não alcança a dimensão do que esse ato de invasão pode causar na vida de uma pessoa. Parece que ela não percebeu o homicídio em vida quando alguém submete outro ser, menor e mais fraco, a um desejo desmedido de destruição que vai muito além do sexual, pois o que se rouba não é a pureza, ou o hímen.

O que se rouba, nesses casos, é a alma.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

"QUEM SE CONTENTA"



"Era uma vez um país onde tudo era proibido.
Ora como a única coisa não proibida era o jogo do mata, os súbditos reuniam-se em certos campos que ficavam por detrás do país e aí, jogando ao mata passavam os dias.
E como as proibições vieram umas de cada vez, sempre por motivos justificados, não havia ninguém que achasse mal ou não soubesse adaptar-se.
Passaram os anos. Um dia os notáveis do país viram que já não havia razão para que tudo fosse proibido e mandaram arautos avisar os súbditos de que podiam fazer o que queriam.
Os arautos foram aos locais onde costumavam reunir-se os súbditos.
- Saibam - anunciaram - que já nada é proibido.
Eles continuaram a jogar ao mata.
- Não perceberam? - insistiram os arautos. - São livres de fazerem o que quiserem.
- Muito bem - responderam os súbditos. - Nós jogamos ao mata.
Os arautos bem se afadigaram a recordar-lhes todas as ocupações boas e úteis que haviam tido no passado e poderiam ter novamente de agora em diante. Mas eles não ligavam e continuavam a jogar, um lance a seguir ao outro, sem pararem sequer para ganhar fôlego.
Vendo que as tentativas eram vãs, os arautos foram dizê-lo aos condestáveis.
- Resolve-se bem - disseram os condestáveis. - Proibimos o jogo do mata.
Foi então que o povo fez a revolução e os matou a todos.
Depois, sem perder tempo, tornou a jogar ao mata."

(Italo Calvino, Quem se contenta, em A Memória do Mundo, 1993, Editorial Teorema)

Diante disso tudo, cada um que pense o que quiser, que faça o que quiser. Eu fico aqui com o Calvino pondo lenha na fogueira.

domingo, 4 de janeiro de 2009

A LÂMPADA


Começa o ano novo e eu aqui tentando responder todos os e-mails e cartões que recebi - até parece que foram vários assim - com aquele monte de instruções de uso para o ano vindouro que me mandam.
Sinceramente, acho muito chato cartão de papelaria com um tanto de intromissão na minha vida e uns desejos chinfrins que não têm nada a ver comigo.
Quando a frase começa com o "Que..." (Que o espírito do natal blá, blá, blá. Que o ano que se inicia blé, blé, blé. Que a renovação bli, bli, bli. E por aí vai) confesso que, quando chego a ler, é com uma má vontade tremenda.
É que nada disso tem muito a ver com o meu desejo das coisas. Daí o responder seja tão difícil.
Eu até que gostaria de dizer meus desejos prá vida dos outros. Imagina chegar pro seu amigo e mandar na lata: "Que você descubra que sua mulher é uma mala e olhe em volta aquela amiga tão legal!" Ou "Que o seu chefe te mande embora e você comece finalmente a ganhar dinheiro fazendo aquele troço que gosta tanto e faz tão bem!" Ou ainda "Que sua ficha caia que déficit de vitamina C só se cura com vitamina C. E que o déficit de atenção diagnosticado da sua filha também, milagrosamente, só se cura com atenção!" E prá terminar "Que você quebre tudo em volta da lâmpada pro seu desejo poder ser reconhecido no meio de tanta quinquilharia."
Se eu fizesse isso, a plenos pulmões, contando qual o meu desejo sobre a vida dos outros, eu, no mínimo, perderia um bom lote de amigos.
Por isso que é tão difícil fazer 'votos' prá vida de alguém. Afinal, alguma coisa levou aquele ser a fazer exatamente aquela certa escolha. E ele tem sempre quinhentas razões para justificá-la.
A função do analista vai mais ou menos por esse caminho.
Ao invés de ficar fazendo planos prá vida dos outros e traçando estratégias - ninguém seguirá mesmo; trabalho inglório seria - a gente fica jogando pedrinha no leão do zoológico, que teima em dormir logo no momento em que fomos visitá-lo. Até desmontar toda arquitetura de desculpas mal ajambradas que o leãozinho deu prá estar ali deitado. Exatamente naquela hora.