terça-feira, 29 de dezembro de 2020

TaLENTO ou UMA QUESTÃO DE USURA


O Medo da Morte nem sonhava em existir ali, naquele terreno árido e ressentido onde deveria haver alguma vegetação, a mais rasteira que fosse. Contrariando as estatísticas e predições de descobridores, aquelas que dizem que por aqui, em se plantando, tudo dá, ele teimava em cortar suas raízes. Em não reconhecê-las, em denegá-las e mudar de sobrenome, para que nenhuma associação original pudesse ser produzida.
Onde não há início, não pode haver um fim. Faltava-lhe o medo da morte. Sobrava-lhe medo de vida. E nessa espécie de limbo, o acerto de contas do juízo final tomava uma forma bizarra e dantesca.
"O que fizeste dos talentos que te confiei?
Pior do que o fim é essa maldita pergunta sobre o meio, o caminho, a estrada. sobre as causas abraçadas e os investimentos. Sobre os desenvolvimentos e o ser bom em algo na vida.
E pra não entregar a prova em branco, pra não ter que se haver com silêncios, faz-se um barulho ensurdecedor. Escreve-se qualquer coisa, mesmo que estapafúrdia.
Ás vezes parece que há uma lógica da aprovação automática nas ações. Aquelas que só reprovam por falta. E, assim, qualquer aprendizado ou mesmo mediação entre ideias e ações contrárias se torna realmente impossível.
É aí que entra uma certa organização necessária das atribuições. Usar os talentos na hora do show de talentos. e que falta faz uma buzina do Chacrinha!!!! Nem que seja pra nortear um pouquinho a qualidade do que se quer mostrar.
"Ensaie mais, calouro! Aprimore-se. Volte pra casa e só retorne aqui quando tiver um show preparado para apresentar." 

Imagine um desafinado cantando só porque o microfone estava aberto?
Pavor né?!?
Ultimamente sinto saudades de muita coisa. Algumas que eu achava fúteis, inclusive. mas que agora me dou conta da importância. 
A buzina, por exemplo. como eu queria esse objeto à mão em alguns momentos. Quando alguém defende o indefensável, quando dá um show pobre e revela opiniões sem nenhum embasamento, só para marcar presença mesmo. Minha vontade não é de discutir. mas de buzinar. Mandar o calouro pra casa ensaiar ate que o que tenha a mostrar tenha alguma consistência. Afinal, se ele se propõe a se expôr, que seja da melhor maneira possível. 
A sensação é a de que falta jurado. falta realmente essa pergunta: Cadê seu talento, minha filha? Mostre! Desenterre. Escolha com afinco suas causas. Esse negócio de seguir alguém para não se haver com seu próprio desejo já passou de preguiça. É usura. É desperdício! É ser pão duro demais não só com o outro, mas com você. 
Pior que morrer é não viver! 
E sendo assim, só há um caminho:
ORA BOLAS,  VÁ CUIDAR DA SUA VIDA!!!!!

segunda-feira, 22 de junho de 2020

VAMOS LEVAR SÓ O ESSENCIAL, TÁ?


As mensagens de promoção não param de chegar, me oferecendo incríveis tênis de corrida, por exemplo.
Como pude viver uma vida inteira sem isso? Talvez porque nunca tenha gostado disso.
Aproveite! Cadastre-se! Compre agora! Não perca a oportunidade! E você sabe: Crise significa oportunidade, já dizia o sábio chinês.
Talvez, segundo esse pensamento, a escola, ou, mais amplamente, a educação esteja sendo tão atacada na última década. Nem preciso apelar para os saudosos termos com licença, por favor, obrigada,... Falo de funções mais elaboradas. De enunciados de provas discursivas, com várias linhas a serem preenchidas: "Desenvolva seu argumento!" e "Ponha na ordem de prioridades!"
Parece haver, atualmente, uma antecipação enorme, uma grande ansiedade em acelerar processos, mesmo que isso signifique um retrabalho, um fazer de novo interminável. Play it again, Sam! é a ordem encoberta, que ecoa sem parar, que ressalta tamanha pressa em acabar logo essa fase, na mesma medida em que tenta dissimular que está tudo sob controle. 
Mas no desenvolvimento do argumento há a pergunta gritando na orelha: Controle de quê?
Ontem, por aqui, e em várias partes do Brasil, o comércio reabriu, reabrindo também passeios, festas, estradas... Um monte de gente tirando fotos sem máscaras, em bares, com pessoas que eu aposto quanto quiserem que não seriam as de sua escolha se realmente tivéssemos nos liberado do vírus invisível. E uma afirmação de não se dobrar aos desejos externos de reclusão no aconchego do lar. 
E então a pergunta grita de novo: Não se dobra? Que liberdade é essa a de sair por aí quando há um decreto? Livre para quê? e de que prisão falamos?
O medo da escola aparece de novo, no pavor do tema livre da redação. No branco que dá ao ver uma pagina em branco. 
Não sei se todo mundo se questiona sobre as razões do outro. Mas quando o outro sequer consegue desenvolver seus argumentos, como mandava a tia na prova. Quando sequer consegue ordenar suas prioridades, parece que nos forçamos a fazer essa parte também. Só que não dá. Sinto muito.
Não cabe responder pelo coleguinha, já que fazer a parte do outro aumenta a mediocridade e pode até eleger presidente que não faz nada de útil. Está provado cientificamente - Olha o perigo em colocar o nome dos outros no trabalho em grupo.
Mas cabe perguntar. Cabe exigir máscara. Cabe até dizer não ao pedido do ansioso suposto malandro que não conseguiu sentar seu rabo em casa durante uma peste que mata tanta gente. 
Eu só posso percorrer meu próprio caminho. E, sinceramente, não usaria tênis de corrida para isso.

quarta-feira, 29 de abril de 2020

ENTRE FIOS E O MINOTAURO


Diante da queixa saudosa de filas - ambiente ideal para a proliferação destas - , de que Fulana de Tal se sentia aprisionada, meu único ímpeto foi o de produzir aquele sentimento digno de pena. A saber: a pena. A pena de alguém que se dizia cumprir pena em sua própria casa. Mas que pessoa desgraçada e miserável, aquela que reproduz em seu lar, construído cortina por cortina, enfeite por enfeite, conforto por conforto, cantinho por cantinho,a realidade carcerária!
De que será feita essa parede que estabelece o limite entre o dentro e o fora de forma tão radical assim?
Não sei como seria essa sensação de aprisionamento. Por aqui, o ir e vir é intenso. 
Pego um livro, começo, esqueço-o num canto qualquer, lembro de uma música... e de quando ouvia essa música. Reviro baús, armários, gavetas, e encontro até passagens secretas que julgava camufladas. O mato que cresceu ao redor deu árvores frutíferas e trepadeiras que formaram outra cerca, que teimo em pular.  Na segurança de minha casa, desbravo memórias e quase num ato senil me deparo com esquecimentos divertidos: Como era o nome daquela promessa de amor eterno mesmo? Lembro que quase morri. E lembro de suas meias coloridas e de como nos lambuzávamos comendo acarajé. Mas do seu nome eu já não tenho certeza. Afinal, o chamado é outro agora. Não requer nomes. Não requer demonstrações de ciúmes. 
A viagem agora é pra dentro! Prescinde de carimbos e vistos.
Outro livro, caído por trás de outros na estante. Outra história que não é a minha. Aparentemente. Mas também é. Uma dedicatória que traz o nome de mais um outro que não sei por onde anda. Nunca nem vi. Bônus de sebos: Trazer uma história dentro de outra, e alinhavar com a história do leitor. 
Vou reclamar de cárcere? Ah, mas se não creio em pecados, por que crer na penitência? Faria tanto sentido quanto sair por aí fantasiada de livre quando trago em mim a limitação da porta de casa. De casa, minha gente. 
E se, por acaso, eu me perder no labirinto, agradeço ao devaneio. Agradeço e propicio. Faço minha parte. Entre o dentro e o fora há muito mais que as paredes de casa. Há tantos caminhos e pessoas e memórias que seria de uma penúria imensa eu me reduzir a prisões internas. Com um novelo qualquer posso ser Ariadne, Teseu, Minotauro ou o próprio Labirinto. 
Melhor que novela!!!!

quarta-feira, 15 de abril de 2020

DE MÁSCARA


Ele quase acertou no ato de auto-cuidado. Quase!
E a gente sabe que o quase não existe. É o que poderia ter acontecido, o que ameaçava surgir, mas que, no fim da história, nunca houve. 
Eu mesma tive uma conhecida que, toda vez que me encontrava, precisava contar uma história emocionante de como ela quase morreu num acidente ocorrido duas horas antes de ela passar pela rua. E vinha com outras coisas que não existem: "Se eu tivesse saído do trabalho antes... Se nem tivesse ido trabalhar, como era meu desejo desde que acordei, tenho certeza que seria eu a atropelada".
Pode parecer pitoresco. Mas é só quase pitoresco.
Olhando de perto, chega a ser desesperador o tanto que a moça precisava se aproximar da morte para se sentir muito viva.
O fim da história é muito triste, posto que não tem fim! Como não tem meio, não tem caminho, não tem finalidade. Ela parece que desistiu dessa aproximação, dessa espécie de polaridade, dessa conjunção de opostos, e desistiu de correr riscos, como desistiu de tudo o que seja vivo. Ficou lá, quietinha, como pedra que não rola, não quebra, só cria limo. Só cria limbo. "Se não tem vida, não tem dor"- acho que era esse o lema adotado.
Voltando a Ele, personagem principal dessa quase história, em seu quase cuidado, teimava em vendar os olhos e em negar a morte, como se a morte fosse esse quase que jamais acontece. E tinha até alguma razão. Jamais aconteceu... até que acontecesse.
Morte, aliás, em sua casa, era assunto proibido. Sem perceber que um assunto proibido não morre, mas esclerosa e se remexe até assombrar feito fantasma, por mais que seja varrido para debaixo de mil tapetes.
Ele teimava em mascarar os fatos, em se dizer corajoso em alto e bom som, para quem nem quisesse ouvir, tentando assim assustar o próprio medo.
Dizia que saía às ruas em época de pandemia para salvar a economia. Dizia que não ficaria preso entre as paredes de sua casa. Mas numa matemática muito primária. Numa estratégia muito primitiva de criança assustada. Sem perceber que o que tentava salvar era seu modo de atuar muito econômico, muito avaro. Essa espécie de não-vida, de ausência de movimentos, como se quisesse sempre se disfarçar de paisagem para não virar caça fácil. Sem reparar que onde quer que fosse, levava consigo paredes quase seguras, que quase o protegiam desses acontecimentos internos que a gente costuma chamar de VIDA.

terça-feira, 31 de março de 2020

EM TEMPOS DE FIM DOS TEMPOS



É até interessante ouvir que pessoas sentem falta de pessoas nesse isolamento em que vivemos. Convém nos perguntarmos: Desde quando?
Há muito tempo que casais ficam lado a lado na cama, cada um com seu celular na mão, sem sequer olhar de banda quem é mesmo que está do lado.
Há muito tempo os almoços de domingo não tem ninguém mais que roube a batata frita do prato do primo, só de brincadeira.
Há muito tempo os corpos não se flagram batendo o pezinho ritmado ao ouvir desavisado um batuque nas redondezas.
Há muito tempo a gente vai à praia e não consegue ouvir o barulho do mar, com tanta música ruim tocando.
E, nesse caso, toda música que abafe a música do mar é muito, muito ruim.
De repente vem essa espécie de meteoro e... ZÁS, trancafia todo mundo com algum resquício de amor próprio em casa.
Agora é que são elas!!!
Exercício contínuo de convivência. Não com o parceiro ou família, afinal, tanta gente mora sozinha. Mas principalmente consigo mesmo.
Há sempre a sedução assassina de se matar o tempo. E a pergunta que não é feita: qual tempo estou matando? O meu?
Ahhhhh, o ser-humano, definitivamente, não foi a melhor invenção de Deus.
Há sempre o hábito de implicar com o outro, pelo menos pra encontrar alguma oposição. Em tempos de fim dos tempos, qualquer encontrão já é encontro. qualquer discussão já enriquece. Mas será que é "qualquer" mesmo?
Eu não consigo acreditar que a maioria das pessoas está sem trabalho, sem saber como sobrevive na semana que vem, e mesmo assim se atrapalhe com o que seria "qualquer" discussão.
Nesse nosso apocalipse, cabe bem uma faxina interna. Chorar quando é de chorar - quem não chorou  ainda tá de bobo no mundo - e rir na hora de rir. Priorizar o que realmente é prioridade - parafraseando BNegão - e iluminar aquele sótão camuflado, recuperando relíquias e histórias realmente preciosas.
E se ficar realmente insuportável o isolamento, tô por aqui!!!!
Não vou sair de casa, não. Até por um dever cívico de desobedecer o Presidente.
Mesmo morrendo de vontade de dar um mergulho, penso que não posso profanar as águas com minha presença. De alguma forma misteriosa e até divina, a natureza tá berrando no meu ouvido:
"Não entre na minha cozinha com esses sapatos sujos, pois estou faxinando a lambança que milhões de pessoas como você fizeram".