quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Pra quê?

 


Quando eu era criança, às vezes, minha mãe me levava ao teatro. Geralmente eu odiava. E questionava:

- Mas eu fiz dever de casa, não baguncei a casa, deixei você dormir até mais tarde e nem bati nos meus irmãos dessa vez. Por quê?

Eu odiava devido a um padrão que hoje julgo desrespeitoso em relação às crianças, que é tratá-las com tatibitati, como se incapazes fossem.

Até que fui a um teatro realmente bom, e quis voltar no dia seguinte, e ainda levar os amigos. O nome da peça era "Super Zé", do saudoso diretor Dácio Lima.

Havia uma personagem enorme que se chamava Burocrata, acho... e o herói, Super Zé, lhe perguntava o que ele estava fazendo.

- Estou carimbando. - ele respondia.

- E pra quê?

- Pra ficar carimbado, ora bolas.

Eu, criança, morria de rir do ridículo do burocrata. 

Décadas depois, eu trabalhava em uma creche como voluntária e participava da adaptação das crianças ao local. Uma delas esperneava e chorava, enquanto perguntava à mãe.

- Por que você tem que ir embora?

- A mamãe precisa trabalhar pra ganhar dinheiro.

- Pra quê?

- Pra comprar presentes pra você.

- Mas eu não quero presentes. Eu quero você.

Será que só as crianças entendem essas questões?

Ou seria muito perigoso para o mercado* perguntar?


FELIZ ANO NOVO BEM NOVO PRA VOCÊS. 

Novo como criança.


"Mas o que salva/ a humanidade/

É que não há quem cure/ a curiosidade"             

                                    TOM ZÉ



sábado, 8 de outubro de 2022

DEIXE SEU RECADO

 

Outro dia, outra noite, eu estava num evento na cidade que moro que muito me apraz. Um evento em praça pública, com DJ tocando as melhores músicas, comida boa, cerveja artesanal,.. Um espaço amplo para nos movimentarmos e gente bonita passando, ficando, conversando e ocupando o lugar da melhor maneira que pode. Como acontece com o corpo desde o primeiro toque de tambor inventado, a música foi ritmando meus movimentos até que eu estivesse dançando no meio da rua, me deixando levar pela melodia. 

Evento terminado e escuto de uma moça até então desconhecida: "Foi tão lindo te ver dançar. Deu vontade de ficar perto de você e dançar junto. Mas como não te conhecia, fiquei tímida, e dancei ali mesmo, no cantinho da praça, sozinha".

Fiquei encantada, pensando nessa potência que a dança proporciona, de se expressar sem saber exatamente pra quem, comunicar para o próprio corpo, dizendo: "sim, você pode", e a partir daí conseguir até mesmo influenciar o comportamento e afeto de outros corpos, que também podem. E ousam. E como ousam bonito!

Mas... Outros fatores se somaram aos acontecimentos da semana, nem tão prazerosos assim. Então teoricamente vou mudar de assunto, mas na prática estaremos falando da mesma coisa, e vocês entenderão.

Infelizmente, essa mesma cidade tem sido palco não só de espetáculos de dança, mas de crimes hediondos praticados contra mulheres, por motivos frívolos como não querer pagar pensão alimentícia aos filhos, não aceitação de fins de relacionamentos ou mesmo, porque a vítima estava passando e assim foi decidido executá-la. Esta mesma cidade resolve contratar como atleta para investir na escola de futebol o talentoso, porém criminoso, goleiro Bruno, assassino da mãe de seu filho, com todas as ações que denotam crueldade e classificam o crime como também hediondo.

Quanto a suas capacidades como goleiro, não tenho nada a declarar. Mas qual seria a mensagem, a comunicação, que está sendo feita no ato desta contratação?

Se eu, batendo os pés no chão e levantando os braços em onda sou capaz de comunicar e influenciar o comportamento de alguém que eu sequer sabia que existia, qual o alcance desta contratação e a capacidade de afetar ações futuras em novas e antigas gerações?

o tempo todo, mesmo ser perceber, a gente manda recados. E sequer precisamos de um discurso bem montado para isso.

quinta-feira, 24 de março de 2022

Como 2 e 2 são 5

 



Entre um gole e outro, uma baforada no cigarro pra pegar no tranco, e uma movimentação na cadeira, confiando em suas ferrugens como argamassa, ele foi categórico, no estilo Psiquê, ou Cinderela, separando grão por grão:

- "Vou te explicar: Poblema... é de matemática. Agora pobrema? Ahhhh, pobrema é da vida!"

Numa reação aristotélica, danei a formular equações. O lado bom da matemática é que a resposta é só uma. Será?  E os intervalos? 

Fui atropelada por pensamentos e frases e memórias de giz no quadro. Pertence? não pertence? contém? está devidamente contido, medicado e sob controle? Mas e o ornitorrinco? E o ornitorrinco, mano? Que apito ele toca?

Fora as questões da prova que perduram e são pra mim incógnitas até hoje:

- 3 operários trabalham 4 horas extras por dia sem receber por isso.... um empresário tem uma cadeia de lojas e outros 80 imóveis e seus funcionários não recebem aumento há anos... 439 agrotóxicos liberados numa cenoura....mas a maconha é proibida. Maconha mata - eles disseram. Ôpa. maconha é da vida. não da matemática. Acho que começo a entender.

 E arma? também mata, então é vida? não, não, arma é liberdade - eles também disseram.

E quando eu grito "Fora!!!!" delimitando o meu conjunto? matemática? economia? ou manifesto antifascista?

Isso sem falar em dinheiros. Será que a Rússia invadiria a Ucrânia por bitcoins?

E a quebra de correntes? De promessas? Do cinzeiro de vidro na parede? É pulsão de vida ou pulsão de morte?

Categorizar dá trabalho. E talvez só exista essa pureza no laboratório. No tubo de ensaio.

E o ensaio, você sabe, é tentativa que ainda não estreou.

...Enquanto isso... só digo uma coisa, pra rebater meu colega lá de cima:

- "ema, ema ema..."

domingo, 23 de janeiro de 2022

UMAS IDEIAS AÍ...



 Já faz tempo que essa história aconteceu. 

Num taxi, com uma amiga que falava durante todo o percurso sobre minha profissão, o motorista se vira, interessando-se em mim e descuidando-se da pista, me passando o controle de suas direções, e pede um socorro emergencial, aproveitando o ensejo:

- Moça, como a gente esquece um amor?

Uma pergunta assim, "tola e corriqueira", como se alguém - EU?-  entendesse dessas coisas, depositando em mim uma esperança que nem os deuses alcançam, e num dia em que eu nem estava de plantão, não poderia ficar sem uma resposta. E a única que pude oferecer se conduziu ao desespero:

- Senhor, só conheço um método rápido. Mas não é garantido. Além do perigo grande, pode deixar sequelas irreversíveis: Pancada na cabeça. Tem gente que esquece até que fumava. Mas nunca se sabe o efeito certo a ser alcançado. Nem a duração do resultado. 

Tanto tempo se passou e sigo tentando encontrar o caminho. "Quem sabe se...??? Não, não funciona. Mas e se, por outro lado...???" e de novo refutava as hipóteses.

Até que hoje me veio uma ideia. Não de tratamento. Mas de prevenção, que pode ser  que até renda um bom dinheiro. 

Pensei num aplicativo. 

Que se iniciaria na hora marcada do encontro ou telefonema jurado. Se a pessoa diz que vai ligar às 20:00, exatamente ás 20:00 começa a tocar uma musiquinha insuportável de telemarketing. Com pianos intermináveis, tipo  Richard Cleiderman, ou um zumbido de saxofone no modelo Kenny G, ou mesmo o Bethoven do gás,,... várias opções, para melhor atendimento ao freguês.

Nunca antes do combinado, já que não se trata aqui de estimular ansiedades. Algo que só pudesse ser acionado com promessas mesmo. Hoje o google descobre até o destino preferido das férias, não seria difícil detectar um trato ou maltrato.

E a musiquinha vai tocando, tocando, tocando,...até que o ser faça contato. Ou que o aplicativo seja reiniciado, mudando de assunto.

E a essa altura, diante da promessa falsa e da prova cabal de impontualidade, passados míseros 20 ou 30 minutos, o amado cliente já estaria soltando fogo pelas ventas, e clamando para falar com o supervisor.

Um tempo depois, apenas uma mensagem como as grandes empresas do país fazem. Aquelas privatizadas óoootimas (e aqui, e só aqui, estou sendo irônica), que enviam um recado avisando que "sua sessão expirou por falta de comunicação".

Imaginem de quanta música ruim seríamos poupados?

Pois é. Eu imaginei.

Mas, pensando bem, como ainda sou de um modelo clássico e antigo, sem peças de reposição,  pouco afeito aos consumismos, um bom livro como companhia causaria melhores efeitos ao cancioneiro popular. E sem essa canseira toda.

Há clientes para tudo nesse mundo. Mas ainda bem que a ideia passou.

Já pensou se alguém ainda insere a musiquinha na canção? Feitiço contra feiticeiro, na certa. 

Vou ficar quieta. Esse método também não serve. 

Ah, os domingos....

quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

O lado sexy do Jason


 Dei um pulo no médico para ver uma manchinha. Dados novos na minha estética. Sinais de "veiêra". Quem nunca?

Ele respondeu prontamente: " Aqui não posso fazer nada. Mas vamos dar um jeito nessa testa? Aplicar um Botox. Vai ficar lisinha. E se o problema for dinheiro, te faço um preço camarada, pois há um projeto social - olha que bonito.- e você só paga 1/6 do valor em troca do seu direito de imagem. 

Voltei pra casa tentada. Seria esta uma oportunidade imperdível? Estaria eu tão desatualizada assim? Tão resistente aos avanços tecnológicos? 

Quando eu tinha uns 15 anos, uma conhecida me mostrou como sua plástica nos seios havia modificado substancialmente sua vida, e tentava me convencer a seguir seus passos naquela empreitada. O pior - ou o melhor -  é que, o que ela chamava de fantástico, a mim parecia o Frankstein. Não pelo resultado, mas pela antecipação de uma intervenção cirúrgica que eu sequer havia cogitado. Retalhos e queloides num par de seios novinhos era a proposta. E assustada eu disse NÃO.

Pensei nessa testa de azulejos. e ensaiei argumentos. "Mas doutor... Demorei tantas décadas para aprender a me expressar a contendo. E você quer tirar isso de mim? E quem me levará a sério se eu, com esse tamanho pouco, não arquear uma só sobrancelha a la Jack Nicholson,  demonstrando que cheguei no meu limite?"

Busquei no google. Comparei as fotos de Antes / Depois. 

E depois do depois? Qual seria o próximo passo? 

Sobrancelhas de Demônio. Cílios de Anabele. Unhas do Zé do Caixão. Tudo isso combinando aos cabelos Loira do banheiro, que é pra harmonizar bem. Ora bolas, nesse critério eu prefiro a Carrie estranha. 

Imagina só eu demonstrando que me preocupo com alguma coisa, interpretando com o dedo indicador na testa como faz Regina Duarte.  Isso sim seria feio.

Agradeci, como requer a boa educação. Mas seria, no mínimo, desumano, não me expressar com horror aos horrores cotidianos. E para tanto, preciso, sim, de minhas rugas. Porque minhas.