quarta-feira, 15 de abril de 2020

DE MÁSCARA


Ele quase acertou no ato de auto-cuidado. Quase!
E a gente sabe que o quase não existe. É o que poderia ter acontecido, o que ameaçava surgir, mas que, no fim da história, nunca houve. 
Eu mesma tive uma conhecida que, toda vez que me encontrava, precisava contar uma história emocionante de como ela quase morreu num acidente ocorrido duas horas antes de ela passar pela rua. E vinha com outras coisas que não existem: "Se eu tivesse saído do trabalho antes... Se nem tivesse ido trabalhar, como era meu desejo desde que acordei, tenho certeza que seria eu a atropelada".
Pode parecer pitoresco. Mas é só quase pitoresco.
Olhando de perto, chega a ser desesperador o tanto que a moça precisava se aproximar da morte para se sentir muito viva.
O fim da história é muito triste, posto que não tem fim! Como não tem meio, não tem caminho, não tem finalidade. Ela parece que desistiu dessa aproximação, dessa espécie de polaridade, dessa conjunção de opostos, e desistiu de correr riscos, como desistiu de tudo o que seja vivo. Ficou lá, quietinha, como pedra que não rola, não quebra, só cria limo. Só cria limbo. "Se não tem vida, não tem dor"- acho que era esse o lema adotado.
Voltando a Ele, personagem principal dessa quase história, em seu quase cuidado, teimava em vendar os olhos e em negar a morte, como se a morte fosse esse quase que jamais acontece. E tinha até alguma razão. Jamais aconteceu... até que acontecesse.
Morte, aliás, em sua casa, era assunto proibido. Sem perceber que um assunto proibido não morre, mas esclerosa e se remexe até assombrar feito fantasma, por mais que seja varrido para debaixo de mil tapetes.
Ele teimava em mascarar os fatos, em se dizer corajoso em alto e bom som, para quem nem quisesse ouvir, tentando assim assustar o próprio medo.
Dizia que saía às ruas em época de pandemia para salvar a economia. Dizia que não ficaria preso entre as paredes de sua casa. Mas numa matemática muito primária. Numa estratégia muito primitiva de criança assustada. Sem perceber que o que tentava salvar era seu modo de atuar muito econômico, muito avaro. Essa espécie de não-vida, de ausência de movimentos, como se quisesse sempre se disfarçar de paisagem para não virar caça fácil. Sem reparar que onde quer que fosse, levava consigo paredes quase seguras, que quase o protegiam desses acontecimentos internos que a gente costuma chamar de VIDA.

Um comentário:

Unknown disse...

Eu sou uma morta viva...muito viva e sem marasmo. Quase gosto do pessismo daquilo q n sei oq definir..mas é fato q se vivo tudo isso ainda assim prefiro. Amo tu