domingo, 26 de outubro de 2014

BOM SENSO

Eu, como Fernando Pessoa, nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Talvez seja a única coisa em comum. Talvez não.
Mas de quem cometesse um deslize,  ou um mau gosto sequer, jamais tive notícias.
Todas, e não algumas, mas todas as pessoas que já passaram por mim na vida. Na rua, na chuva, na calçada. Que já puxaram conversa na fila da padaria, ou com quem tive uma aproximação um pouco mais duradoura do que um só momento apenas, talvez uns quatro ou nove, talvez rotina, são dotadas de razão, inquestionável, e de todos os motivos do mundo para agirem desta ou daquela forma.
É lógico!
É claro!
É óbvio!
Ó pá, só não vê quem é burro.
E nisso formamos times que jamais se modificam, a não ser que um pensamento estranho o corte, condenando-o à exclusão do grupo.
É incrível como a droga do outro é sempre mais pesada do que a minha.
Como o outro jamais saberá a verdadeira história do rock´n roll.
É unânime como uma pessoa dotada de clareza e informações críticas possa chegar a mesma linha de raciocínio que eu. Ou melhor, possa "alcançar" a minha lógica, pois é uma questão de aptidão. Aptidão para poucos.
O resto?
Ah, o resto é corja. 
É atraso. 
É o fim do caminho.

Em tempos de eleição, ou mesmo em qualquer tempo, o outro, que pensa diferente de mim, por mais que eu defenda diferenças, é um monstro ignorante e ingênuo. Obtuso mesmo, coitado. Diria até que atrasado. 

Alguém tão desprezível que não merece nem um microfone aberto. Nem a expressão da dor nem a do amor.
Só pode ser maluco. Ou, em tempos de maniqueísmo, só pode ser um "ente do mal".

O mais irônico é que, dizem, não se deve contrariar os malucos. 

Eles, os loucos, os outros, os que não foram dotados com a graça do (meu) bom senso nem da (minha) sensatez, não merecem a contradição. Nem perca tempo!
Afinal, ninguém conseguirá demovê-los de suas certezas. E se tem algo que diferencia os malucos de nós, os normais, é que eles não se engajam num diálogo onde valha a minha opinião, já que Possuem sempre a certeza. Seja a de um chip implantado, seja das vozes da tv que se direcionam aos escolhidos, seja do envenenamento da comida. 
É questão de crença inabalável. E é isto o que os classifica como desprovidos da razão: Não há dúvida. Não há conflito. Não há sequer a bipolaridade. 
Um "as vezes", um "de vez em quando", um "quando chove",... nada disso existe. 
É sempre, sempre aquele ser "autêntico e verdadeiro". Indubitavelmente.

Esse negócio de saber de tudo... Maluco isso, né?





" Não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até o ultimo instante seu direito de dizê-la." (Voltaire)