quinta-feira, 8 de julho de 2021

O TEMPO PERGUNTOU PRO TEMPO...

Minha primeira reação ao ouvir um áudio acelerado do whatsapp foi rir. Não um riso qualquer. Diria que eu morri de rir ao brincar com as mensagens, lembrando-me de quando mudava a rotação dos discos na vitrola e minha mãe reclamava: “Vai estragar assim. Tem que cuidar das coisas”. Naquele tempo tudo durava mais, e mesmo assim não se podia ligar ou desligar ou alterar a forma de qualquer jeito, ou quebraria. Algum cuidado era exigido.

Passada a brincadeira, caí em mim e pensei, apavorada: “Acabou o amor. Pra sempre. A sedução já era. Não há voz de Barry White que resista à aceleração”. Fiquei sem saber se mandaria mensagens de voz novamente ou se bolaria estratégias, modulando, eu mesma, a velocidade de minha fala, na busca desenfreada por antídotos . E se eu falar tão rápido, mas tão rápido, que a pessoa não entenda quando acelerar e tenha que desacelerar? E se eu falar tão devagar que ao acelerar simplesmente alcance a velocidade desejada por mim? Sigo buscando, hora rápida, hora lenta, algum resquício de possível cortejo, antes que só me reste o esquartejo.

Não sei a ordem das coisas. Mas acredito que isso seja um sintoma da atualidade, afinal, como todos sabemos, Jesus Cristo era comunista marxista. Mas pra Deus, nada é impossível.

Vou, como dizem os adolescentes, continuar de forma aleatória, do nada. Não posso localizar ainda o princípio, que dirá o princípio ativo. Mas partamos da infância, e de alguns brinquedos. E na livre associação da semana, pensei no tamagotchi: Aquele chaveirinho que deveria ser alimentado ou morreria de fome.

Ele morreu. Todos morreram. E tiveram que ser reiniciados. E assim muita gente foi introduzida às questões existenciais. O tamagotchi não foi o primeiro, já existia fliperama, o game over, e bastava colocar mais uma ficha e se iniciava uma nova encarnação, cheia de possibilidades.

Atualizações a parte, veio a caça aos poquemons e o free fire, mata-se muito até morrer, e recomeçar. Pelo aspecto do lúdico é bem interessante. E em jogos de tabuleiro já existia isso de voltar para o início e ninguém falava nada. Jogar é bom. Descarrega a energia. E pode render até dinheiro. Do “morto” pode-se fazer muita coisa.

Chegamos à adolescência, e àquela fase de o mandacaru fulorar na cerca... Descobri que além de tamagotchi e free fire, existem batons à base de mariscos. Não é fantástico? E pensar que reclamávamos dos vazios e artificialidades, da falta de sensibilidade dos viventes diante dos acontecimentos cotidianos. Nada disso acontece. Diria até que o oposto. A sensibilidade é tanta que se aproxima à alergia. Um batom que causa reações alérgicas e deixa a boca mais carnuda, chegando muito próxima a real perfeição, aquela do plástico, que jamais conhecerá a morte. A sensibilidade tá na cara. Na cara de boneca inflável. Só não vê quem não tem os olhos na tela.

Estou puxando pontas soltas aqui pra tentar tecer alguma coisa, fazer alguma costura, mesmo que esgarçada, sobre afetos, afetações e desafetos na contemporaneidade. Algumas drogas atuais alcançam efeitos incríveis. Aumentam a sensibilidade a tal ponto que qualquer luz pode causar fotofobia. Um esbarrão consegue alcançar uma dimensão tamanha que chega quase a atravessar a pele. Mas minha dúvida é a de que a sensibilidade esteja no âmbito das afetações, assim como a aceleração do whatsapp. Minha hipótese é a de que, diante da escassez de estímulos sensíveis, esteja sendo criada uma superestimulação das sensações. Será? Não sei. Estou apenas divagando. Bemmmmm devagarinho....


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