sábado, 7 de março de 2009

MORTE EM VIDA

Num dos trechos mais marcantes do filme "A vida dos outros", um torturador se diverte narrando minuciosamente como ele mata suas vítimas em vida, analisando, de acordo com perfil delas, a melhor maneira de lhes infligir a dor.
Ele roubava o último fio de vida que um ser humano podia ter, assassinando e trucidando qualquer vontade, qualquer desejo, qualquer talento que o sujeito tivesse antes da tortura.
Mundando o cenário aqui e saindo da ficção, de acordo com o Dom não sei o quê de Recife e Olinda - tenho resistência a guardar nomes de quem não admiro - o estupro não é um crime tão grave. É só rever 'Má educação" e temos a posição da igreja quanto a isso facilmente revelada ali.
Aparentemente uma cena não tem nada da outra, até por ser a primeira tirada da ficção e a segunda da estatística mais cruel que se possa obter.
Só que eu não consigo diferenciar o perverso que estupra uma criança do torturador que aniquila as almas, fabricando zumbis que pastam pelo globo.
Parece que eles não têm a menor idéia do que fazem ou pregam, ao banalizar o uso à força do corpo alheio para o bel prazer, sem consentimento, sem maturação, sem nada mais.
Que a igreja tenha um olhar um tanto extraviado do que seja o corpo, tido como um fardo que deve sofrer, não é novidade prá ninguém.
Mas de onde vem a idéia de transformar vítimas em culpados? De onde vem a idéia de medir a dor do outro e de reduzi-la como se assim ela deixasse de existir, como se perdesse a importância.
Quando uma criança é estuprada, ela simplesmente perde o que há de melhor em sua vida. Ela morre um pouco. E esse pouco é tão grande que mata todo o resto.
Como é que uma criança nessas condições pode ainda acreditar em qualquer coisa? Como pode acreditar em histórias de crianças, conto de fadas, príncipe encantado? Como é que ela pode acreditar que o amor vence tudo?
E como - por favor, alguém me explique - ela pode definir o que seja ela? O que é seu corpo, onde ele começa? Onde termina?
Parece que a igreja não alcança a dimensão do que esse ato de invasão pode causar na vida de uma pessoa. Parece que ela não percebeu o homicídio em vida quando alguém submete outro ser, menor e mais fraco, a um desejo desmedido de destruição que vai muito além do sexual, pois o que se rouba não é a pureza, ou o hímen.

O que se rouba, nesses casos, é a alma.

6 comentários:

Alex Cojorian disse...

Não é à toa a debandada em massa de fiéis da igreja católica. A postura desse dom qualquer coisa aí já era anacrônica e retrógrada antes até de São Pedro. Fico com a resposta da diretora do centro de saúde: "Estou no rol dos excomungados, graças a Deus!" Tenho certeza que esse dom qualquer coisa e o chefe dele não serão aceitos nem lá embaixo. Aliás, se alguém pintar a roupa do papa de preto, vai ficar assombrado com a semelhança dele com a daquele patrão do dart vader...

Paulo Nideck disse...

A igreja católica está acabando.

soraya.magalhaes@gmail.com disse...

Eu já excomunguei faz tempo.
E nem fui prá outra, pois demônio meu ninguém tasca.

Flávio S. Armony disse...

A igreja não somente não condena o estupro como é cúmplice de diversos abusos sexuais cometidos por padres sob sua égide. Nesse caso, concordo com o que disse o jornal católico "La croix", da França: "Tem horas em que é melhor se calar". A igreja não poderia publicamente admitir o aborto, isso iria contra a doutrina. Mas poderia condenar o estuprador e ficar quieta sobre a criança. Alguém ouviu a opinião de algum pastor evangélico sobre o caso? Ou a de algum rabino?

Eu não.

soraya.magalhaes@gmail.com disse...

Oi Alex,
o Dom põe o capeta no colo fácil, fácil. sE juntar com o papa então... melhor nem gostar do frio, pois se eles passam por vc, te queimam na certa.
Oi Flávio,
eu, nesse ponto, estou com o Voltaire. Acho que todo mundo tem que falar, pode falar, deve falar. Do jeito que souber ou puder.
Se o corpo da menina não falasse engravidando, ninguém ouviria seu pedido de socorro - ela jamais diria nada, protegendo a mãe da morte ( lembra das ameaças que a pobre sofria desde os 6 anos de idade?). E a igreja falar, mesmo que essa bobagem, é positivo também, pois assim ela mostra a cara. Aplaude quem quer, quem precisa de pastor, quem escolhe negligenciar seu poder de decisão e de escolha em nome de um lugar como ovelha ou beata.
Prá quem achar que só seguir os outros é muito pouco, o diálogo - ou o quebra-pau - é bastante construtivo.
SE a igreja não agisse, o caso seria mais um, e haveria mais um, e mais um. Mas depois da excomunhão pública, tudo e todos esses casos medonhos podem ser questionados. E, tomara, combatidos.
essa é só a minha idéia. Mas se eu não disser, como vc pode concordar ou discordar de mim?

William Silva disse...

Soraya,
Fico extremamente feliz com seu texto, pois vc. conseguiu enxergar o problema com os olhos da "Alma".
Coisa que somente hoje o Vaticano " http://noticias.uol.com.br/ultnot/ansa/2009/03/14/ult6817u2001.jhtm " teve coragem de tomar uma decisão e colocar a cara pra bater.
T++.