quarta-feira, 29 de abril de 2020

ENTRE FIOS E O MINOTAURO


Diante da queixa saudosa de filas - ambiente ideal para a proliferação destas - , de que Fulana de Tal se sentia aprisionada, meu único ímpeto foi o de produzir aquele sentimento digno de pena. A saber: a pena. A pena de alguém que se dizia cumprir pena em sua própria casa. Mas que pessoa desgraçada e miserável, aquela que reproduz em seu lar, construído cortina por cortina, enfeite por enfeite, conforto por conforto, cantinho por cantinho,a realidade carcerária!
De que será feita essa parede que estabelece o limite entre o dentro e o fora de forma tão radical assim?
Não sei como seria essa sensação de aprisionamento. Por aqui, o ir e vir é intenso. 
Pego um livro, começo, esqueço-o num canto qualquer, lembro de uma música... e de quando ouvia essa música. Reviro baús, armários, gavetas, e encontro até passagens secretas que julgava camufladas. O mato que cresceu ao redor deu árvores frutíferas e trepadeiras que formaram outra cerca, que teimo em pular.  Na segurança de minha casa, desbravo memórias e quase num ato senil me deparo com esquecimentos divertidos: Como era o nome daquela promessa de amor eterno mesmo? Lembro que quase morri. E lembro de suas meias coloridas e de como nos lambuzávamos comendo acarajé. Mas do seu nome eu já não tenho certeza. Afinal, o chamado é outro agora. Não requer nomes. Não requer demonstrações de ciúmes. 
A viagem agora é pra dentro! Prescinde de carimbos e vistos.
Outro livro, caído por trás de outros na estante. Outra história que não é a minha. Aparentemente. Mas também é. Uma dedicatória que traz o nome de mais um outro que não sei por onde anda. Nunca nem vi. Bônus de sebos: Trazer uma história dentro de outra, e alinhavar com a história do leitor. 
Vou reclamar de cárcere? Ah, mas se não creio em pecados, por que crer na penitência? Faria tanto sentido quanto sair por aí fantasiada de livre quando trago em mim a limitação da porta de casa. De casa, minha gente. 
E se, por acaso, eu me perder no labirinto, agradeço ao devaneio. Agradeço e propicio. Faço minha parte. Entre o dentro e o fora há muito mais que as paredes de casa. Há tantos caminhos e pessoas e memórias que seria de uma penúria imensa eu me reduzir a prisões internas. Com um novelo qualquer posso ser Ariadne, Teseu, Minotauro ou o próprio Labirinto. 
Melhor que novela!!!!

2 comentários:

Unknown disse...

Muito tocante! Gostei muito! Parabéns.
Laura Kanter,
*O Afonso me deu essa bela dica.

Elianne disse...

Adorei! Concordo plenamente.